O QUE DE HUMANO AINDA RESTA EM NÓS…
“Nós somos homens, Filipe, e vivemos quase como máquinas. Essa ânsia de progredir, de acumular dinheiro, de construir, faz a gente esquecer o que tem de humano.”
Érico Veríssimo, Olhai os Lírios do Campo
Para quem não é político e analisa de longe a cena brasileira, às vezes é exasperante observar um acúmulo de falsidades e de absurdos. A tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul deveria ter unido, por solidariedade e visão humanitária, todos os brasileiros. Porém, o que ocorre na cobertura da verdadeira catástrofe que assolou o povo gaúcho é de desafiar qualquer cientista político. As contradições que podemos constatar chegam a causar perplexidade.
É interessante, até emocionante, ver a enorme corrente de generosidade que abraçou o país. De todos os lados, o que se vê são pessoas, ou grupos, buscando maneiras de demonstrar empatia. É extraordinária a quantidade de doações, das mais diversas formas. Em dinheiro, em materiais diversos, em água, em comida, em colchão, em presença física nos salvamentos, enfim, todos se reinventado para salvar vidas e minorar dores. Algo que faz com que certa crença na humanidade volte a habitar os corações antes fechados pelo frio da desilusão.
Por outro lado, é surpreendente ver certas reações de algumas pessoas de lá, especialmente dos políticos e de parte da mídia. No meio de uma das maiores catástrofes já ocorrida no Brasil, é incrível a cara de pau de certos políticos, que colocaram seus mandatos e prestígio contra as medidas preventivas para impedir o desastre e ainda tiveram a ousadia de propor a prorrogação dos mandatos. Oportunistas baratos. Seria quase um prêmio pelo extremo desprezo e pela falta de zelo no trato com a segurança ambiental. Ou seja, ao invés de serem investigados e processados pela omissão, ou pela ação predatória, seriam recompensados pela irresponsabilidade. De novo, remeto-me ao gaúcho Érico Veríssimo: “Estive pensando muito na fúria cega com que os homens se atiram à caça do dinheiro. (…) De que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles?”.
Paralelamente a isso, é estarrecedor ver o solene desprezo com que se trata o enorme e gigantesco esforço dedicado à crise pelo governo federal. Penso ser essa uma obrigação do governo. Mas é admirável ver o senso absolutamente republicano com que tem se portado a gestão do Presidente Lula. Todos os esforços, sem poupar ajuda financeira ou humanitária, foram enviados pelo governo federal. No entanto, parte da mídia e dos políticos locais agem como se todo o trabalho fosse dos órgãos estaduais. Omitem. Mentem. Escondem. Felizmente, o Presidente Lula age de maneira apartidária e se envolve, inclusive pessoalmente, na política de reconstrução do Estado gaúcho.
Mas não é apenas essa guerra surda e baixa de parte dos políticos. Não vejo, e quero estar enganado, as associações de classe do Estado, as cooperativas fortes do famoso agronegócio, as empresas e os grupos empresariais se manifestarem em solidariedade e agradecimento expresso ao enorme esforço do Estado federal. Enfim, enquanto o governo federal abraça a causa da solidariedade e da reconstrução do Rio Grande, em boa parte internamente, não é criado um ambiente de confraternização nacional. E o governo Lula, tíbio em matéria de divulgação do que faz, só mostra pequenos filmes do Presidente com as pessoas em situação de desespero e miséria. É bonito. Emociona. Mas não reflete a realidade do compromisso do governo federal com a catástrofe. É muito pouco frente ao grande trabalho que estão fazendo.
Por isso, é necessário o poder federal dizer a que veio. Informar e prestar contas é, sem dúvida, uma obrigação de qualquer autoridade. Até para que possamos cobrar é preciso que, especialmente nas crises, mas em regra no dia a dia, o cidadão possa acompanhar para onde anda a humanidade. Nos momentos em que a água fez um povo ser tragado pela desgraça, é imprescindível acreditar que podemos sair mais fortes dessa tormenta.
Como nos lembrou o gaúcho Mário Quintana: “O que mata um jardim não é mesmo alguma ausência nem o abandono…O que mata um jardim é esse olhar vazio de quem por eles passa indiferente”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay