A covardia da fome como arma de extermínio
Não há nada mais lugar comum do que a afirmação “nós perdemos a capacidade de indignação”. Ocorre que, muitas vezes, constatar a obviedade pode ser importante. Até para nos indignarmos com a falta de indignação. O mundo nos oferece, avidamente, as mais inacreditáveis hipóteses de absurdos que nos conduzem, frequentemente, a certas rotas de fuga, até para manter alguma sanidade. Se levarmos tudo a ferro e fogo, sucumbimos. Porém, é certo que temos que resistir e nos posicionar diante das obtusidades, das insanidades e das teratologias.
No Brasil de hoje, existem motivos de sobra para as pessoas lúcidas, dignas e honestas – não precisam ser de esquerda, ou de direita – ficarem indignadas com a covardia, com o mau-caratismo e com o oportunismo dos que optaram por trair o país e se vender aos EUA. Seria ridículo e cômico, não fosse grave e muito sério.
A pretexto de uma esdrúxula proposta de anistia, com intervenção criminosa na Suprema Corte brasileira, a família Bolsonaro e seus comparsas querem e topam se prostituir e se prestar a serem servos da política de Trump. É assustador o grau de oportunismo, de falta de caráter e de subserviência dessa extrema direita podre e servil. É humilhante. Já escrevi, várias vezes: quem não tem nenhuma noção do ridículo e de dignidade não consegue sequer perceber que está sendo humilhado.
Embora existam razões de sobra para a indignação com esse grupo que se vendeu para os norte-americanos – já tinham se vendido antes para o vil metal -, há motivos ainda mais aterrorizantes que merecem muito a nossa atenção. O drama da fome, como já tratei no artigo A dor da fome. Neste momento, esses crápulas da extrema
direita acabam obnubilando o grande problema da falta de comida em Gaza.
Não satisfeito em usar uma política genocida, o líder Netanyahu não se contenta em abusar do poderio militar e arrasar criminosamente o povo palestino. Agora, estrangula a Faixa de Gaza com a fome como arma de guerra. Ele incorporou ser o dono da vida e da morte de crianças, mulheres, idosos e jovens. De maneira vil, covarde, cruel e desumana, a opção é eliminar um povo pela fome.
As cenas das crianças morrendo de destruição, esquálidas e mendigando por um punhado de ervilha nos dá a exata dimensão de que a humanidade fracassou. Como sentar à mesa com a família no Brasil, ou em qualquer parte do mundo, para almoçar e presenciar o genocídio pela fome transmitido ao vivo? Tudo isso faz o Bolsonaro
parecer quase humano. Até que, infelizmente, lembramo-nos do ex-presidente imitando um brasileiro morrendo com falta de ar durante a pandemia. São da mesma laia. Onde a humanidade errou? O que de humano ainda existe em nós?
Tudo isso me remete à grandeza do Presidente Lula. Em 2021, estava em Lisboa e fui convidado para ir a Paris, na Science Po, onde Lula seria homenageado. O então candidato fez um discurso emocionante dizendo que o Brasil havia saído do Mapa da fome da ONU durante os governos comandados pelo PT. Foi lindo vê-lo falando que enfrentar a fome era muito mais do que um projeto político, era, para ele, um objetivo de vida. Brasileiros e franceses se emocionaram muito. Em 2022, Lula foi candidato à presidência para resgatar a Democracia, usurpada pela ultradireita bolsonarista, e para, mais uma vez, enfrentar a fome que o governo Bolsonaro cuidou de deixar voltar. Na gestão Bolsonaro, o Brasil voltou ao Mapa da fome da ONU. Felizmente, ganhou a Democracia nas urnas. E o Brasil enfrentou novamente a fome.
Agora, no meio de um ataque insano da família Bolsonaro – que se uniu com a extrema direita norte-americana para ameaçar, extorquir e isolar o Brasil, com a prepotência do presidente Donald Trump e a pretexto de influenciar no julgamento do Supremo Tribunal sobre a organização criminosa armada liderada por Bolsonaro –, somos quase impelidos a deixar em segundo plano a fome que é usada pelo governo Netanyahu contra o povo palestino. É o máximo do requinte de crueldade e de perversidade.
Porém, no meio desses escombros morais e éticos, chega a notícia da ONU: sob o atual governo Lula, o Brasil sai novamente do Mapa da fome. Uma vitória fenomenal. É triste acompanhar as crianças morrendo de desnutrição nos braços das mães em Gaza. Ao menos, dá um alento mínimo constatar que o Brasil, mesmo contra seus algozes e traidores, tem amor próprio, respeito ao seu povo e à soberania e, concomitantemente, tem grandeza para enfrentar o flagelo da fome.
Por isso, emociona-me ler Khalil Gibran e pensar no Lula neste momento: “E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece. Porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se
oceano”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
