MORO E A LAVA JATO: EXTORSÃO COMO MÉTODO
“Atrás de todo paladino da moral, vive um canalha.”
Nelson Rodrigues
A banalização dos abusos por parte de um magistrado como Sérgio Moro, que capturou a grande mídia quando era poderoso, é um tiro na credibilidade do Judiciário. Na verdade, é mais do que isso: Moro era uma peça da estratégia rigorosamente planejada para assumir o poder. A instrumentalização da estrutura que manteve enquanto juiz, coordenando a chamada República de Curitiba, com seus procuradores adestrados, visava ao poder a qualquer custo.
Eu denunciei essa tentativa de instrumentalizar o Judiciário e o Ministério Público desde setembro de 2014, seis meses após a deflagração da operação. Desde o início, percebi as dificuldades em fazer os necessários alertas, pois a grande mídia fazia parte do projeto político. Quando ocorria uma fase da operação, com uma busca e apreensão ou uma prisão, o conluio com a grande imprensa era massacrante. Durante pelo menos uma hora, a cobertura midiática cuidava de fazer um pré-julgamento para desmoralizar o investigado e já deixar cravada no imaginário popular a responsabilidade criminal daquele cidadão exposto pelo então juiz Sérgio Moro. Não havia paridade de armas e muito menos presunção de inocência. A Constituição e as leis penais que imperavam no país eram as da República de Curitiba.
Por isso, os depoimentos do ex-informante do senador Sérgio Moro – sobre os métodos aplicados na 13ª Vara Federal de Curitiba, sede dos abusos denunciados há tanto tempo – ganham relevância. É diferente você constatar uma denúncia feita por alguém que foi usado como instrumento desse abuso. O empresário Tony Garcia foi levado, pelo desespero diante das pressões do poder sem limites do juiz Sérgio Moro, a ser o instrumento de inúmeros crimes graves perpetrados pela então republiqueta. É, infelizmente, necessário voltar a essa tecla.
A estratégia política do grupo de Curitiba mudou a história recente do Brasil. Foi desse abuso, dentre outros, é bom que se diga, que o fascismo foi instalado no país. É claro que havia, à época, toda uma conjuntura internacional. Mas foi a estrutura usada pela Lava Jato que permitiu tirar o Lula da disputa eleitoral e colocar o inepto, facilmente manipulável, Bolsonaro na Presidência da República. Tudo é muito grave e a busca e apreensão na 13ª Vara Federal de Curitiba, determinada pelo ministro Dias Toffoli, fortalece toda a nossa narrativa de anos contra o verdadeiro golpe perpetrado por esse bando.
O centro da discussão hoje deve se dar numa realidade que nunca foi devidamente comprovada, embora denunciada por nós há anos: a República de Curitiba tinha tanto poder, dentre outros motivos, porque usava a extorsão como método de ação. Se, ao fim e ao cabo, tudo ficar comprovado, estaremos desnudando um criminoso e cruel método de uso político do Poder Judiciário. É de uma gravidade sem limites.
Esse grupo destruiu estruturas econômicas, políticas e, fica cada vez mais claro, usou, sem nenhum pudor ético ou base legal, uma ousada estratégia de achaque. Corre, nos bastidores do poder judiciário, há anos, a história que agora começa a ser desvendada. Certamente, outros personagens se sentirão tentados a ajudar a desenrolar esse novelo macabro. O fio dessa assustadora novela está só no começo.
Desde 2014, quando comecei a correr o país para denunciar os abusos da Operação Lava Jato, uma questão intrigava a todos: como os despautérios praticados pelo bando de Curitiba se sustentavam nos Tribunais? É claro que todos sabíamos da intricada e poderosa operação sustentada por grupos, incluindo o da grande mídia. Mas o fulcro dessa questão é o uso da chantagem e da extorsão como método de instrumentalizar o Judiciário. É de uma gravidade inaudita.
O Judiciário é muito forte. Se a força desse poder for usada fora das amarras constitucionais necessárias, passa a ser o autoritarismo em estado puro. Muito mais eficiente do que a força das armas é o poder exercido sem limites pelo Judiciário. É possível dar uma roupagem legal e ética que, com uma boa embalagem midiática, faz com que qualquer abuso assuma ares democráticos.
A Operação Lava Jato foi o maior engodo na história do Brasil. Conseguiu credibilidade internacional. Chegou ao poder. Destruiu grupos econômicos em nome de um combate seletivo à corrupção. Corrompeu por dentro as instituições. E é essa a importância da investigação na 13ª Vara Federal de Curitiba. Provar que a extorsão foi deliberadamente empregada como meio de ação. Esse deve ser o foco da apuração.
A corrupção, o uso criminoso de influência no Judiciário, todas essas práticas nefastas são conhecidas há anos. Enfrentá-las torna-se cada vez mais necessário. Está quase impossível advogar em um Judiciário cooptado por tais práticas. Mas há tempos esses abusos têm sido denunciados. Agora, o que se trata é de uma inusitada estratégia de dominação por meio de métodos espúrios de achaques. Se confirmada, é necessário dar a presunção de inocência, pois estaremos diante de um escândalo sem proporção.
A corrupção no Judiciário existe e tem que ser enfrentada desde sempre. Mas o uso sistemático da extorsão, com a força do poder de prender, fazer busca e apreensão, sequestrar bens, enfim, todo o aparato legal, é absolutamente assustador. Afinal, se o Poder Judiciário é quem coordena os abusos, por meio de manipulações e pressões, o que resta ao cidadão? É como o ditado que eu ouvia na minha pequena, à época, Patos de Minas: “vá reclamar para o Bispo!”.
Impossível não lembrarmos de Augusto dos Anjos, no poema Versos Íntimos:
“Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
