É DE TIRAR O CHAPÉU

Quantas vezes já escrevi sobre Paris, sobre os cafés franceses e sobre a vida que passa docemente pela Boulevard Saint-Germain. Observar as pessoas flanando em Paris parece ser um esporte nacional. Às vezes, esquecemo-nos de olhar, dessa maneira amorosa, para nossos cantos no Brasil. Costumo sempre dizer que as cidades históricas de Minas Gerais, emolduradas pelas nossas serras, suplantam, em beleza e charme, as vilas da Toscana. E não tem nada como um torresmo com cerveja super gelada, e o som de um violão perdido ao fundo, nas ruelas íngremes de Ouro Preto. Sem falar nas casas coloridas e no festival gastronômico de Tiradentes. E, o melhor, com todas as contas sendo pagas em reais.
E não há nada parecido com os festivais literários do contador de casos e arquiteto de amizades Afonso Borges, espalhados por Itabira, Paracatu, Araxá e Petrópolis, onde as pessoas recitam poesia, respiram literatura, fazem-nos sonhar, debatem um pouco de tudo e escutam viola, tudo em português.
E a gente anda por Parintins, no Amazonas, pela festa do Sírio, em Belém, e pelas praias paradisíacas e incomparáveis de Alagoas, tudo adornado pela alegria contagiante do brasileiro. Um povo que anda dividido, depois que o fascismo fincou suas garras por aqui, mas que, quando se distrai e deixa a vida levar, volta a sonhar e a se permitir ser feliz.
Um jeito carioca de ser ajuda a gente a esquecer, momentaneamente, as desigualdades e a admirar a cidade mais bonita do mundo, com sua natureza desenhada entre o mar e as montanhas. São tantas as belezas que seria impossível esgotar tudo num artigo despretensioso. E somos o país das diversidades, com cada canto reivindicando, sem querer competir, o direito de ser mais charmoso e acolhedor.
Aí você chega à Bahia e sente que o mundo parou. Ninguém tem o jeito baiano de ser, só o baiano. O ar muda quando você está na Bahia. Há um quê de encantamento sem precisar explicar. É a magia do Quadrado em Trancoso, com a Igrejinha ao fundo, que faz você ter a sensação de que o tempo não existe. Por isso, o poeta diz que a Bahia já nos deu régua e compasso. Comer uma moqueca debaixo das árvores, sem carro por perto e com todo mundo falando baixo. Quase sussurrando. É o murmúrio baiano que abraça cada um e que acolhe. E tem aquele mar, quase quente, que dá uma vontade de nunca mais sair dele. De se deixar levar e se confundir com as águas mornas da Bahia.
No último fim de semana, fui a Salvador e vivi a força dessa cidade que hipnotiza. Pude acompanhar a recuperação da rua Chile, a primeira rua do Brasil, e o trabalho espetacular e emocionante do mineiro-paulista Marcelo Guimarães, que, com seu grupo, fez do palacete abandonado, o TiraChapéu, um lugar incrível de gastronomia, arte, cultura e entretenimento. Uma beleza de tirar o fôlego, e não só o chapéu. Conseguiu unir a mão baiana da grande cozinheira, nossa querida Preta – que já nos encanta, há anos, com sua comida baiana-brasileira – com o refinamento do chef francês-brasileiro Claude Troisgros. E muito mais.
Vivemos a experiência de mergulhar numa degustação com o grande enólogo Pascal Marty – simplesmente quem fez o grande vinho de Bordeaux, Mouton Rothschild, além do Opus One e Almaviva, entre outros – e, em terras baianas, permitiu-se ser poeta e dizer que a inteligência artificial jamais chegará à enologia, pois, para se fazer um grande vinho, é preciso emoção, é imprescindível sentir e sonhar.
É exatamente o que penso do processo penal. Assim, entre vinhos, cervejas geladas e batidas de coco, umbu e cajá, permiti-me fazer um brinde ao povo brasileiro.
Por isso, remeto-me ao grande Gonçalves Dias, no poema Canção do Exílio:
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
…
Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay