Entre a mágoa e a esperança
“Não me basta ter um sonho. Eu quero ser um sonho.”
Mia Couto
O Poder Judiciário, pelo seu órgão máximo, o Supremo Tribunal Federal, começou a julgar, no último dia 18, o recebimento das denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República relativas à tentativa de golpe de Estado e subversão da ordem democrática. O julgamento teve início 102 dias após a frustrada e tresloucada ação terrorista. A decisão se dará pelo plenário virtual e termina às 23h59’ da próxima segunda-feira, dia 24. Na realidade, até pela importância do assunto, seria imperioso que a sessão fosse presencial e aberta ao público.
A tendência é que as denúncias sejam recebidas e os 100 acusados virem réus. É fundamental que a sociedade acompanhe de perto esse julgamento. São vários os pontos a serem levados em consideração.
O governo democrático do Presidente Lula tinha tomado posse há apenas 8 dias quando houve a invasão criminosa e bárbara das sedes dos três Poderes. A depredação que se viu, especialmente pela ousadia e atrevimento dos criminosos, chocou o mundo, sendo inevitável, à época, a comparação com a invasão do Capitólio nos Estados Unidos da América. O germe era o mesmo: o ódio e a violência, que são as marcas de gestões de cunho fascista como os do Trump e do Bolsonaro. Aqui no Brasil, mesmo com a comprovada participação de parte das forças de segurança nos episódios criminosos, instituições destinadas exatamente a manter a ordem, a reação foi imediata e exemplar.
Agiu muito bem o Poder Executivo ao assumir o controle da situação, com aquela histórica reunião no dia 9 de janeiro, um dia após o dia da infâmia, com a presença dos governadores de todos os Estados e do Distrito Federal. E, depois, a descida da rampa do Palácio do Planalto rumo ao Supremo Tribunal, passando em comitiva pela Praça dos Três Poderes, com os presidentes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário e mais um sem número de ministros, governadores, senadores e outras autoridades. Foi um momento simbólico que deixou claro aos terroristas, aos golpistas, que eles não conseguiriam derrubar um governo democraticamente eleito. Foi um não à barbárie e à Ditadura.
Mirando no mestre Miguel Torga: “Recomeça… se puderes, sem angústia e sem pressa. E os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade. Enquanto não alcances, não descanses. De nenhum fruto queiras só a metade”.
Tão importante quanto a resistência desde o primeiro instante, quando, ainda na noite do dia 8 de janeiro, o Presidente Lula foi à sede do Supremo Tribunal toda destruída para se encontrar com a ministra Rosa Weber, Presidente da Corte Superior, foi a reação técnica para se apurar as responsabilidades criminais dos golpistas. Mais de 1400 prisões em flagrante deixaram claro que não seria possível tratar com desprezo e pouco caso a gravíssima tentativa de subverter a ordem democrática. É preciso ressaltar que ainda permanecem presos 294 golpistas – 86 mulheres e 208 homens. Os 100 terroristas cujo julgamento foi iniciado dia 18, terça-feira, estão entre os que permanecem presos.
Importante frisar que, logo após as primeiras prisões, o necessário trabalho de investigação para apurar as responsabilidades deu a todos a certeza de que a Democracia estava consolidada. A custódia de um ministro da Justiça e a oitiva de 80 militares, alguns de alto coturno, além da correta decisão do STF no sentido de submetê-los a um julgamento pela Justiça Comum e não pela Justiça Militar, reforçam a certeza de que o país navega em águas democráticas. Tanto que o ex-presidente da República teve sua oitiva determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito.
Eu escrevi, mais de uma vez, que, se comprovada a participação do Bolsonaro nos atos terroristas, sua prisão preventiva será inexorável. Ainda nesta semana, 16 outras prisões foram efetuadas a mando do Supremo Tribunal. Foi a 10ª fase da Operação Lesa Pátria, na qual, inclusive, foi preso o coronel e ex-comandante das Rondas – Rotam – de Goiás. O que preside e determina os rumos da investigação é a necessidade de se chegar aos financiadores, aos empresários dinheiristas, aos políticos golpistas e aos militares que apoiavam o terror. Sem perseguir e sem proteger. É só assim que manteremos acesa a chama da estabilidade institucional.
Numa democrática e republicana união de esforços, todos os órgãos envolvidos estão cumprindo o seu papel. Submeter ao Plenário do Supremo Tribunal o recebimento ou não das denúncias apresentas pelo Ministério Público, em tempo razoável, dada a complexidade da investigação, a gravidade dos delitos e a quantidade enorme de envolvidos, deixa claro para a sociedade a certeza de que as instituições estão em pleno vigor. Daí a importância de acompanhar e apoiar esse julgamento. Os golpistas pensaram que encontrariam um Poder Judiciário enfraquecido e uma sociedade apática, com medo e acuada. Mas encontraram um país ávido por liberdade e Democracia. Repetindo o lema espanhol, “No pasarán!”.
Como bem ressaltou o ministro Alexandre, em seu voto recebendo a denúncia, a liberdade de manifestação é garantida, mas atos que pregam violência e desrespeito à Democracia “são criminosos e inconstitucionais”. E continuou: “Não existirá um Estado Democrático de Direito sem que haja Poderes de Estado, independentes e harmônicos entre si, bem como previsão de direitos fundamentais e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuidade desses requisitos”.
Lembro-me de João Guimaraes Rosa, no Hai-Kai Turbulência, “O vento experimenta o que irá fazer com sua liberdade”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay