JULGAR PARA VIRAR A PÁGINA

Tenho dito que já é passada a hora de o Supremo Tribunal julgar o processo referente ao “núcleo crucial” da tentativa de golpe de 8 de janeiro, até para virarmos essa página. Por mais que o assunto seja recorrente e cansativo, é necessário que a gente possa explicar para os leigos exatamente o que está acontecendo e o que deve acontecer.
Nesse processo, estão sendo julgados: o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, General Braga Netto, o General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, o ex-ministro da Defesa, General Paulo Sérgio Nogueira e o delator tenente coronel, Mauro Cid. Só a apresentação dos réus já identifica a importância do julgamento.
Na realidade, já existem mais de 700 golpistas condenados, definitivamente, pelos mesmos fatos. O que resta às defesas dos acusados desse grupo é discutir sobre a participação de cada um nos fatos sobejamente comprovados. É interessante observar que boa parte das provas acarreadas aos autos foi produzida pelos próprios investigados. É muito raro uma situação assim. Até mesmo o tal plano “punhal verde e amarelo”, que visava matar o Lula, o Alckmin e o ministro Alexandre, teve a autoria confessada pelo General Mário Fernandes. Talvez por tudo isso, quando do julgamento do recebimento da denúncia, em março, nenhum advogado negou, peremptoriamente, da Tribuna, a existência dos crimes. Usou-se a ampla defesa para discutir autoria.
Nesta semana, o processo teve sua instrução finalizada. Salvo alguma novidade, que trate de uma diligência inesperada, o ministro Alexandre de Moraes, relator do feito, pode pedir dia para julgamento a qualquer momento. Quem define a data é o presidente da Primeira Turma, ministro Zanin. O julgamento deve durar 3 dias, pois só de
sustentação oral teremos 8 horas para coroar o exercício pleno da ampla defesa. Sempre existe a opção regimental de um pedido de vista, mas com a Corte sob severo e injusto ataque, o que se espera é o término o mais urgente possível. Até em homenagem ao Supremo Tribunal e à segurança física dos ministros da Casa. A demora pode levar a um acirramento ainda maior e com consequências imprevisíveis. O processo está maduro e, espero, o julgamento trará uma pacificação para o país.
Em dezembro de 2024, os bolsonaristas mais extremados bradavam que o Brasil iria parar se algum general fosse admoestado. O todo poderoso General Braga Netto está encarcerado desde dezembro e não se vê nenhum movimento e nenhuma balbúrdia. Há um outro General preso no mesmo processo, mas sequer o nome dele me vem à memória. Da mesma forma, os extremistas bolsonaristas protestavam que, se o Bolsonaro sofresse alguma medida judicial, o processo contra ele teria que ser paralisado. Bolsonaro afrontou as decisões do Supremo Tribunal e não deu outra opção ao relator: foi preso e ainda está, sem absolutamente nenhum contratempo. É a normalidade do processo penal democrático.
Vale ressaltar que a prisão domiciliar de Bolsonaro se deu no inquérito em que se investiga o filho, deputado Eduardo Bolsonaro, juntamente com o ex-presidente, de obstrução e tentativa de golpe. Nesse processo, os investigados, especialmente o parlamentar, produzem, dia após dia, dezenas de provas contra ele próprio. A prisão
preventiva já se faz necessária há muito tempo. Como ele está nos EUA, imagino que exista uma estratégia para garantir o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal quando ela sair. Ainda acompanharemos os julgamentos dos demais núcleos, mas é da natureza humana que alguns julgamentos não terão, sequer, destaque na imprensa. Na
verdade, a sociedade está cansada da pauta de violência, crimes e prisões. Já passa da hora de nos livrarmos do fantasma do golpe e da insegurança de grupos insanos e extremistas que ocuparam o imaginário nacional.
É extremamente significativo acompanhar a reta final do processo. Não só pela relevância do que está sendo julgado. Mas, igualmente importante, pelas ameaças frequentes que têm sido assacadas contra a Corte Suprema e, até, contra as pessoas dos ministros, seus assessores e familiares. É inadmissível a ousadia da extrema direita. A melhor resposta é a aplicação literal da Constituição.
Sem perseguir e sem proteger ninguém. Porém, mostrando ao mundo que o Brasil é um país soberano, com as instituições hígidas e funcionando. Com um Judiciário que não se acovarda e não compactua com o golpismo fascista. Até para que essa trama abjeta não se repita.
Lembrando-nos de Montesquieu: “A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay