MARIELLE: Faltam os mandantes
“O preconceito é um fardo que confunde o passado, ameaça o futuro e torna o presente inacessível.”
Maya Angelou
O ministro Flávio Dino, em séria e ponderada entrevista, deixou claro que a fase de investigação sobre os executores do assassinato da vereadora Marielle Franco praticamente chegou ao fim. Uma delação premiada de um dos assassinos parece esclarecer uma longa apuração que já dura tempo demais. O homicídio ocorreu em 14 de março de 2018. O mais instigante foi a revelação, com as novas informações obtidas, que leva aos motivos, aos passos do enredo da trama e aos detalhes que colocarão, enfim, os mandantes na cena do crime. A pergunta que, ainda hoje, ecoa no mundo todo é: quem mandou matar Marielle?
É um questionamento real, mas também retórico. Todos queremos as provas do delito de mando para responsabilizar e colocar na cadeia os autores intelectuais. Sejam eles filhos ou pais de quem for. Os executores já estão presos. Por outro lado, nós todos, no fundo, sabemos quem são os responsáveis pela morte. O Rio de Janeiro tem 65% do seu território ocupado pela milícia e 15% dominado pelo tráfico. Segundo Marcelo Freixo, que é quem mais entende de segurança pública no estado e que já teve um irmão morto pela milícia e, por isso, vive há décadas sob escolta policial, quase só restam aos cariocas os cartões postais e os lugares icônicos. Tudo o mais está dominado.
Esses gatilhos que detonaram a bala que acabou com a vida da Marielle são apertados pelas mesmas mãos que tiram a vida de crianças e adolescentes nas favelas, nos becos e nas periferias. Uma bala perdida em uma região ocupada pelo terror ceifa a vida de uma Marielle que, de tão nova, não teve tempo de brigar pelos seus sonhos. É preciso ter tempo de sonhar até para poder defender nossos ideais. Num mundo dominado pela milícia, é proibido sonhar e é interditado querer ser feliz.
A milícia que saiu da periferia carioca para os Palácios do Rio e de Brasília dominou de maneira solerte e vulgar a política brasileira. Vulgarizou a violência e espalhou o ódio. Fez da mentira o seu modus operandi, escudou-se no fascismo mais perigoso, o que se mantém pelo completo desconhecimento histórico. São reféns de uma ignorância antológica, jactam-se da própria estupidez. Mas hão de pagar por isso. Essa investigação lenta, morosa e cruel vai desatar alguns nós históricos. É bom lembrar que o inquérito agora é conduzido pela competente e independente Polícia Federal do diretor-geral Andrei Rodrigues. E esses nós, após desatados, vão amarrar pontas que hoje, soltas e ainda poderosas, impedem a sensação de estarmos vivendo em um verdadeiro Estado democrático de direito.
Cada vez que morre algum pobre numa operação nas favelas, quando um juiz de direita concede um mandado coletivo – para que a polícia entre indiscriminadamente em qualquer barraco -, cada vez que um negro sofre um baculejo, só por ser negro, cada vez que o Judiciário se acumplicia com o Executivo para reafirmar o abissal fosso social que nos segrega, é uma Marielle que morre. E, também, um pouco de humanidade morre em cada um de nós.
Agora, chegar, em um momento de reencontro com o Estado democrático de direito, depois da vitória da civilização contra a barbárie nas urnas, nos verdadeiros mandantes do homicído da Marielle vai nos dar a esperança de buscar justiça para todas as Marielles mortas, estupradas, baleadas, ofendidas e discriminadas pelo fascismo que teima em resistir. É em nome dessa luta democrática que todos nós nos posicionamos. E é por essa esperança de um país mais justo e igual que as Marielles vivem em cada um de nós, sempre presentes.
Homenageando a ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, irmã de Marielle, que afirmou quando o assassinato completou 5 anos sem descobrir os mandantes: “Enquanto a gente não responde quem mandou matar a Mari, a gente segue com essa Democracia fragilizada”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay