NÓS CONTRA ELES: TEM COMO SER DIFERENTE?

“Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.”
Augusto dos Anjos

Quando estava prestes a me formar na UnB, eu, como a maioria dos estudantes, não
tinha dinheiro para nada. E, uma curiosidade, só tinha um sapato. Lindo. De couro tressê.
Com ele, ia à Universidade, ao estágio, aos casamentos e jogava bola. Tudo, enfim. Minha
futura sogra, que era inteligente, bem-humorada, antenada e minha amiga querida, um
dia me disse: “meu marido quando faleceu tinha ganhado vários sapatos de presente que
nunca chegou a usar. Você se importaria de eu lhe dar de presente?”. Eu, que não sou
pobre soberbo, aceitei na hora. E ela perguntou: “Quanto você calça?”. Eu, surpreso e
com medo de perder algum, respondi: “de 37 a 42”,

Em um dos vários encontros no seminário em Lisboa, ouvi, de grandes empresários, de
políticos de direita e de banqueiros, uma linha de raciocínio comum: repreender o
governo Lula por ter, na visão deles, optado por uma política de “nós contra eles”. As
críticas seriam no sentido de que isso era ruim para o Brasil e que eles não aceitariam. Ou
seja, na visão “deles”, a divisão “nós e eles” era muito ruim. Imediatamente, pensei: ruim
para quem, cara pálida?! Para estarem assim tão bravos, seria negativo para eles, claro.
Ou seja, ao que tudo indica é bom para nós.

O que me espanta e me deixa perplexo é indagar: não é óbvio que teria que ser “nós
contra eles”? Não seria isso absolutamente normal e esperado? Não é uma questão
normal que os menos favorecidos queiram ter um tratamento, no mínimo, justo? Ou
tentar algo mais igualitário? Não estamos falando só de direitos sociais; o grito “deles” é
para não pagar impostos! Sim. A questão é que o Lula e o Haddad querem fazer uma
justiça tributária mínima.

Na questão trabalhista, eles já passaram o rodo nos trabalhadores usando o Supremo
Tribunal. Cada vez mais os direitos trabalhistas estão definhando no Judiciário com o
triste e tacanho argumento de que, nos tempos atuais, o trabalhador que luta pelos seus
direitos atravanca o progresso. Não sei qual progresso é esse.

A questão do IOF, que realmente atinge muito o trabalhador – a classe mais pobre -, só
virou um embate nacional quando os ricos colocaram o pé na porta. A ideia dos mais
favorecidos pagar mais impostos, até para poder isentar os realmente mais necessitados,
é de uma lógica absoluta e irrefutável. E eu fico muito à vontade para defendê-la, pois
estarei entre os que vão pagar mais. Por um momento serei “eles”, só que não estarei
contra “nós contra eles”: tem como ser diferente?

É claro que essa discussão não pode apoiar críticas apelativas à postura de alguém de
direita por pessoas, supostamente de esquerda, propondo guilhotina para uma menina
de 5 anos por diferenças, quaisquer que sejam. Isso é uma questão a ser resolvida na
seara criminal. Simples assim.

É fundamental que o Lula e a equipe econômica não desistam de tentar um mínimo de
justiça tributária. É bom nos lembrarmos de um antigo partido, o PSDB, que tinha grandes
quadros, intelectuais e não tinha aquilo que o fez sucumbir: o povo.
E não tem nada de novo nesse debate “nós e eles”. Lembro-me de uma entrevista do
grande deputado Genuíno, ao responder sobre como seu critério de votação no plenário
da Câmara quando não tinha tido tempo de estudar a matéria. Ele respondeu: “
vejo para

que lado o Delfim Neto votou e voto ao contrário”.
O momento, é claro, é muito difícil para o governo. Os projetos sociais que marcaram as
duas gestões Lula já foram, felizmente, incorporados totalmente pela população que
precisa deles. É bom notar que esses importantes programas continuam relevantes,
porém o povo quer mais. Bolsa Família, Farmácia Popular, Pé de Meia, Prouni, Minha Casa
Minha Vida e outros são um direito incorporado à classe trabalhadora. É necessário algo
novo. Que tal um pouco de justiça social com um choque de planejamento tributário?
Ou seja: “nós contra eles”.

Lembrando-nos de Torquato Neto, no Poema do Aviso Final: “É preciso que haja algumrespeito, ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadadas”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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