O RIO DOCE DESÁGUA NA CORTE INGLESA

“Não adianta tentar negociar com o tigre quando a sua cabeça já está dentro da boca dele.”

Winston Churchill

O julgamento contra a BHP, em Londres, recomeçou na segunda-feira, dia 13, como era previsto. Os atingidos pela tragédia criminosa têm todo um organograma previsto e, em junho deste ano, sairá a sentença que deverá condenar a mineradora inglesa. É extremamente importante estarmos atentos ao que está acontecendo em Londres, inclusive ressaltando as diferenças com o acordo que se deu na repactuação no Brasil. O primeiro grande efeito do processo na Inglaterra, e isso foi admitido pelo presidente do Supremo Tribunal, foi agilizar e, de certa forma, viabilizar o acordo homologado pela Corte brasileira. Os juízes brasileiros não queriam que a questão fosse decidida antes na justiça inglesa.

O julgamento em Londres pode ser acompanhado por quem tem interesse. Estamos na fase de ouvir os especialistas durante a instrução na Corte. Após as sessões designadas para o Direito Ambiental, teremos uma rodada de subcomissões geotécnicas. No final do mês, começa a preparação das alegações finais. Depois, teremos as alegações finais orais. Na nossa visão, a instrução está sendo super rigorosa e muito boa tecnicamente para os autores. É claro que, em respeito à justiça inglesa, não é possível fazer pré-julgamento, apenas reafirmar a crença no nosso direito e na certeza da independência da Corte na Inglaterra.

Mas é fundamental entender as diferenças entre o resultado dos 2 processos. Na justiça brasileira, a repactuação prevê pagamentos em até 20 anos. Ou seja, os prefeitos que vão administrar o dinheiro a ser pago aos municípios serão aqueles eleitos nos próximos 5 pleitos. O dinheiro, sempre bem-vindo para a municipalidade, entrará nos cofres públicos com carimbo definindo sobre qual deve ser a utilização. Os desembolsos terminarão em 2043. São valores consideráveis, importantes e desejados, embora bem menores do que seria o merecido e muito inferiores à quantia que deverá ser determinada pela justiça inglesa.

É muito importante ressaltar que, em 2028, quando a 5ª parcela da repactuação estiver sendo paga no Brasil – o equivalente a um percentual de 3.6% -, todo o montante devido com a possível e esperada condenação em Londres da BHP já deverá ter sido pago. Ao tempo da 20ª parcela, que será paga em 2043, equivalente a 6%, nós estaremos já na 5ª legislatura e, portanto, no 5º prefeito a governar os municípios envolvidos na repactuação no Brasil. E já passados quase 30 anos do desastre. Em relação aos municípios, a previsão é de pagamento de RS 6.1 bilhões sem incidência de juros, apenas inflação. Os municípios têm até 120 dias para aderir. A Coridoce propõe 17 bilhões para os municípios com adesão em 360 dias.

Na nossa ação na Inglaterra, a expectativa é de uma condenação de 30,8 bilhões para os municípios, com juros e inflação. E o melhor: o pagamento integral deverá se dar inteiramente até 2028, conforme previsto. Ou seja, o atual prefeito pode planejar como melhor gastar para o bem da municipalidade, até porque o dinheiro não é carimbado. Só tem que ser investido na população que sofreu as consequências da tragédia criminosa.

Vale deixar claro que a questão da jurisdição inglesa já foi decidida de maneira definitiva pela Corte em Londres. Ou seja, a competência já foi fixada em definitivo pelo tribunal britânico e a ré, BHP, quando condenada, será obrigada a efetuar o pagamento. Não há divisão em suaves prestações a perder de vista. A morte, a destruição e os prejuízos para o Rio Doce já tiveram seu efeito. O pagamento terá que ser imediato e o atual prefeito receberá, em nome dos municípios, assim como cada uma das 660 mil pessoas físicas, o que é devido. Sem carimbo e sem dilação de prazo. Afinal, já se passaram 9 longos anos dos fatos criminosos.

Também é importante explicar que, o que for decidido pela Corte inglesa, não terá que ser submetido ao Judiciário ou a qualquer outra instância no Brasil. O julgamento na Inglaterra, ao contrário do que querem fazer crer, não será sujeitado a nenhum tipo de aprovação ou homologação no Brasil ou em qualquer outro país. É um julgamento no judiciário da Inglaterra contra uma empresa inglesa e cuja sentença haverá de ser executada exclusivamente no exterior. As partes que pleitearam já foram consideradas legítimas e o foro para o julgamento já está definido como competente.

A instrução está se dando com ampla cobertura internacional, de portas abertas, com publicidade e com a presença de um grande time de advogados e juristas. Alguns regiamente pagos pela BHP, como tem que ser, de maneira ética e dentro da lei. Os outros, por grupos que acreditaram na causa e ousaram fazer frente ao enorme custo que significa um processo desse porte. Tudo dentro da ética, da lei e proporcionando um mínimo de equilíbrio para os que não teriam como arcar com as despesas. É um magnífico passo em respeito ao acesso universal à justiça, à paridade de armas e em reforço aos direitos humanos.

É bom saber ouvir a voz de quem sofreu, como a Simone Silva, liderança da comunidade quilombola, ribeirinha e indígena da Gesteira: “A gente não fala em desastre, não fala em tragédia. Nós, que fomos atingidos, chamamos o que aconteceu de crime”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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