PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS DORES

A felicidade morava tão vizinha que, de tolo até pensei que fosse minha.”

Chico Buarque, Até Pensei

 

Por onde ando, sempre encontro alguém para me dizer algo gentil em relação à postura que adotei contra a barbárie e contra o fascismo. É bom de ver e de ouvir. Seja em um museu, apreciando uma exposição, em um avião, nos tribunais, ou nas ruas, enfim. Cada vez mais, eu, que não faço política partidária, sinto que as pessoas acompanham nossas dores, angústias e medos. Leem nossos textos e acompanham nossos debates. Percebo que existe no ar uma expectativa de que é necessário resistir à hipótese cruel do recrudescimento.

 

Eu me pego relendo meus últimos textos e confesso que há uma real preocupação pelo nosso futuro, na verdade, pelo nosso presente. E constato que tenho sido triste. Intrinsecamente triste.

 

Queria muito falar do livro que estou lendo, do poeta novo que descobri por acaso ou do antigo que voltei a ler, de uma música que ouvi depois de tanto tempo. E contar histórias que me sustentaram, e me sustentam, ao longo da vida, de detalhes quase esquecidos do meu velho pai – a pessoa que mais amei e me instigou a ser feliz-, lances do jogo do Cruzeiro que eu sei os detalhes, amigos que não vejo há tempos, saudades boas, enfim. E relembrar das infindáveis tardes e noites cantando “Evidências” e recitando poesias entre pessoas queridas. Sendo simplesmente felizes e leves.

 

Sinto que este governo medíocre que domina o país obnubilou a nossa capacidade de sonhar e de sermos suaves. Foi criado um muro de obscurantismo e, até, de certa maldade, que parece separar os idiotas das pessoas que querem ser simplesmente íntegras e contentes. Não é mais possível ser leve e feliz. A realidade cruel e boçal do bolsonarismo aniquila qualquer hipótese de humanismo. Não estamos falando de divergências ideológicas, de direita e esquerda. É uma dicotomia entre a civilização e a barbárie.

 

Tenho uma saudade profunda da direita civilizada, que discutia temas nos quais a nossa discordância não significava possibilidade de ruptura institucional. Claro, vamos enfrentar contraposições sérias sobre como tentar enfrentar as desigualdades e o abismo aterrorizante que a direita aprofundou com governos elitistas que deram as costas para o povo brasileiro. Mas isso não nos levava à insegurança que nos ronda com esses fascistas desavergonhados. Podíamos ter, e era até engraçado – que saudade – aquele parente que te taxava de esquerdista e confundia os conceitos para te “xingar” de comunista. Mas nada que abalasse a estabilidade institucional. Nada que tisnasse a certeza de que a pior das hipóteses era a alternância de poder.

 

Durante anos, fui dono do velho e bom Piantella: o restaurante mais politizado do Brasil. E, ouso dizer, o mais charmoso. Éramos imensamente felizes naquele lugar. Sentávamos à mesma mesa, situação e oposição, e discutíamos noites a dentro fazendo política o tempo todo. Foi lá que vivemos a redemocratização, as Diretas Já e a efervescência política. Não havia esse clima de velório, de terror e de medo que é a marca do governo Bolsonaro.

 

O Brasil precisa voltar a ser feliz. Como disse Raduan Nassar: “A terra, o trigo, o pão, a mesa, a família (a terra); existe neste ciclo, dizia o pai nos seus sermões, amor, trabalho, tempo.

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Publicado no O Dia. 

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