TRUMP, BOLSONARO, SOBERANIA E O SUPREMO TRIBUNAL

Quando assumi a Tribuna do Plenário do Supremo Tribunal Federal para sustentar a Ação Direta de Constitucionalidade 43 – no julgamento que propiciou a liberdade ao Presidente Lula –, o objetivo era defender a Constituição, o direito à presunção de inocência e enfrentar a hipótese de prisão após a condenação em segundo grau, antes do trânsito em julgado. Lembro-me que, à época, eu corria o Brasil em debates, palestras e escrevia artigos quando o assunto se tornou o mais importante do Judiciário. Da Tribuna, disse, com respeito à Casa e à Constituição, que “Supremo Tribunal podia muito, mas não podia tudo, porque nenhum poder pode tudo”. Essa é uma máxima do Estado democrático de direito.
Nesta semana, tenho acompanhado a escalada de prepotência e de arrogância do autocrata Donald Trump afirmando: “Tenho o direito de fazer o que quiser, pois sou o presidente dos EUA”. Essa insanidade está levando insegurança aos quatro cantos do mundo. Inclusive internamente, dentro do seu próprio país. Por sinal, essa afirmação teratológica se deu após investida, nada republicana, do seu governo nos Estados Unidos. A pretexto de enfrentar a violência, o protótipo de ditador virou a força do Governo Federal contra alguns estados federados. Escolhidos a dedo. Não satisfeito em enviar tropas federais a Washington, ele ameaçou invadir Chicago, por divergências políticas com o governador do estado. Tudo isso propagado de maneira arrogante e meio desconectada. É uma progressão perigosa de um poder ditatorial.
Faço uma reflexão sobre o princípio visível da decadência norte-americana, do debacle da hegemonia dos EUA. Há muito eram percebidas as fissuras e as fragilidades. Quis o destino que o agravamento se desse com Trump na presidência. Um político despreparado, arrogante e sem limites. Não satisfeito em afrontar a soberania de países soberanos, volta a força bélica e econômica do país contra tudo e contra todos que, na visão estreita dele, representam algum risco à autoridade norte-americana – que ele julga estar acima do bem e do mal e da qual arrota ser o detentor absoluto.
Neste momento, ainda de grave estabilidade institucional interna, estamos acompanhando forças políticas, em clara traição ao país, posicionarem-se a favor da intervenção norte-americana no Brasil, ofendendo nossa soberania. Com a proximidade do julgamento pela Corte Suprema do processo em que Bolsonaro e seus asseclas são réus, e que serão condenados a mais de 30 anos de cadeia, um desespero bateu nas hostes da extrema direita.
Em um clássico caso de crime lesa-pátria, o deputado Eduardo Bolsonaro se refugiou nos EUA e arregimentou um bando para, dentre outros delitos, atacar o Supremo Tribunal Federal. A estratégia é, de alguma maneira, atacar o julgamento da tentativa de golpe, afirmando que existem poderes exagerados da Corte Suprema e ditatoriais do relator ministro Alexandre de Moraes.
Nada mais falso e falacioso. Tenho defendido, à exaustão, a necessidade imperiosa de o Poder Judiciário, até pela força que tem, manifestar-se sempre de forma colegiada nos Tribunais. É claro que, muitas vezes, a experiência demonstra, faz-se necessário tomar uma decisão monocrática, mas que deve ser submetida, o mais rápido possível, ao colegiado. É rigorosamente o que vem acontecendo no processo intitulado de 8 de janeiro.
Após o denominado Dia da Infâmia, foram instaurados diversos inquéritos e petições para apurar os fatos criminosos, todos distribuídos por prevenção ao processo principal – INQ 4874. A partir dele foram, de alguma maneira, originadas 1.628 ações penais. Até há pouco, 518 réus já foram condenados a 5 crimes cujas penas, ainda que fixadas nos mínimos legais, pelo fato de terem que ser somadas por concurso material, chegam a 17 anos de reclusão. Todas ações contra o Estado democrático de direito e outros crimes graves. Também foram condenadas 1.110 pessoas por crimes menos graves, com penas mais leves, de prestação de serviço à sociedade. Um número significativo de réus não aceitou proposta de não persecução criminal, pois teriam que se submeter a fazer um curso sobre Democracia. Democracia não combina com bolsonarismo.
A acusação difamatória no sentido de que o ministro relator, Alexandre de Moraes, agiu arbitrariamente e, quase sempre, de maneira monocrática não se sustenta com a análise fria dos fatos. Ele proferiu mais de 170 decisões, todas foram submetidas posteriormente ao colegiado e absolutamente todas foram confirmadas. Reitero, considero que determinadas decisões devem ser, sempre que possível, colegiadas. É importante lembrar a matéria feita em 2023, no Conjur, na qual se constatava que somente 2% das decisões monocráticas levadas ao Plenário foram modificadas.
A decisão monocrática, até então a mais dramática da Suprema Corte, que foi tomada pelo ministro Teori, foi a que, em 25 de novembro de 2015, determinou a prisão do senador Delcídio do Amaral. Recordo-me que estava na esteira, às 6 da manhã, quando recebi um telefonema do então Presidente do Senado, Renan Calheiros, pedindo que eu me reunisse com os senadores, pois era a primeira vez que o Supremo determinava uma prisão preventiva de um senador da República. Era uma quarta-feira e o relator convocou, imediatamente, uma sessão extraordinária da Segunda Turma que, à unanimidade, convalidou a prisão. Agora, estamos há 4 dias do julgamento do Bolsonaro, que vai ocorrer na Primeira Turma do Supremo. O colegiado falará por todos os democratas brasileiros.
Lembrando-nos de Rui Barbosa: “Na própria difamação há graus de indignidade”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay