02 de outubro, o Dia do Fico

Me dê sua mão.

Abra espaço para eu

guiar e seguir

você

para além da fúria de poesia.

Deixe que os outros tenham

a privacidade das

palavras que tocam

e do amor pela perda

de amor.

Por mim

Me dê sua mão.”

Maya Angelou, Uma ideia.

 

 

Eu estava em Paris, mas já voltei. Voltei para estar aqui no dia 11 de agosto, quando será feito na USP, em São Paulo, um grande manifesto pela democracia – ato suprapartidário no qual será lida uma Carta às brasileiras e aos brasileiros para reafirmar a crença e a necessidade de manutenção do Estado democrático de direito.

 

Para que todos possam bradar, em praça pública, contra o fascismo, contra os que apoiam a tortura, contra os que alimentam o ódio e contra os que colocam em dúvida, por motivos golpistas, as instituições brasileiras; contra os que vociferam contrariamente às eleições e à soberania popular usando a crítica às urnas eletrônicas como mote; contra os cultores da morte; contra os amantes das trevas da ditadura e contra os que pregam a ruptura institucional e que levaram o país de volta ao mapa da fome com 33 milhões de brasileiros famélicos. Não será um ato de qualquer partido político, mas sim um posicionamento público de quem apoia a civilização ao contrário da barbárie. Simples assim.

 

Mas voltei, também, para lutar por um Brasil mais justo e mais igual. Para que, no dia 2 de outubro, nós tenhamos a chance de afastar, pelo voto, tudo o que representa o governo Bolsonaro, que levou o país ao fundo do poço. Descobrimos, perplexos, que no fundo desse poço ainda há uma cratera moral, uma fístula que produz pus e cheira mal. Um buraco onde brotam corrupção, compra generalizada de voto e atitudes que afrontam permanentemente o Estado democrático de direito. Uma espécie de sarjeta de dejetos com os quais o mundo civilizado não consegue conviver. E ali habitam os seres teratológicos que sustentam esse governo.

 

Regressei pelos milhões e milhões de brasileiras e brasileiros que resistem, pois desejam um país livre de todas as desgraças do autoritarismo. Que não são covardes e que não se omitem. Que se negam a agachar na hora do tapa, ao contrário, colocam suas vidas muitas vezes em risco em nome de um Brasil democrático. Aqueles que fizeram uma opção de lutar pela vida e por um país melhor para eles mesmos e para os filhos. Voltei pelos que são democratas e se dispõem a dar todo o esforço por uma sociedade livre, plural e aberta.

 

Ainda, retornei em nome dos que não podem deixar o Brasil por absoluta falta de condições. Por aqueles que até sonham em sair, mas que veem um país em frangalhos, sem esperança e sem rumo. Com a completa ruína na educação, na cultura, na ciência e na tecnologia, não existe sequer condições de sonhar em se afastar.

 

Voltei até mesmo pelos que querem ir embora por egoísmo, por falta de visão solidária, por falta de preocupação com o semelhante, por falta de empatia, por covardia, por medo ou por hipocrisia. Por aqueles que não idealizam e não querem um país para todos, mas que só pensam em um Brasil para eles mesmos. Senhores de uma cultura autoritária e extremamente personalista. Por esses, que não sabem viver em uma sociedade democrática e que colocam seus interesses pessoais acima do coletivo. Por esses, cuja definição de democracia é ter um governo que só serve se for alinhado aos interesses deles.

 

Lembro-me de Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego: “Tenho a náusea física da humanidade vulgar, que é, aliás, a única que há. E capricho, às vezes, em aprofundar essa náusea, como se pode provocar um vômito para aliviar a vontade de vomitar.”

 

Enfim, voltei para me alinhar ao povo brasileiro que não suporta mais ser espoliado e que tem esperança de dias melhores. Se cada um de nós, ainda que sem força política individual, não fugir, abandonar projetos individualistas, não se esconder na omissão criminosa e se dispor simplesmente a andarmos juntos, nós estaremos dando uma chance a nós mesmos e ao país.

 

Não é hora de heroísmo, mas também não é hora de omissão e covardia. Vamos todos voltar, mesmo os que nunca foram, em nome da democracia, que precisa de nós.

 

Inspiro-me em Mia Couto, no poema Identidade:

 

Preciso ser um outro

para ser eu mesmo.

Existo onde me desconheço

aguardando pelo meu passado

ansiando a esperança do futuro

 

No mundo que combato morro

no mundo por que luto nasço.”

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Publicado no Poder360.

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