DESESPERO: O FEITIÇO VIROU CONTRA O FEITICEIRO!

 

Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

 

Se a alguém causa inda pena a sua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!” Augusto dos Anjos, Versos Íntimos

 

Um grande drama, ainda não enfrentado devidamente, é o mercado bandido das delações premiadas. Perdi muitos clientes, grandes clientes, por não admitir fazer parte desse jogo sórdido e, por vezes, criminoso que se formou em torno do acordo que envolvia um juiz e alguns membros corruptos do Ministério Público e da Policial Federal. E, o que é grave, docemente conduzidos por advogados, no mínimo, coautores do crime. Junto com um delator desesperado. A expressão “desesperado” comporta diversas interpretações.

 

Existia o “desesperado aproveitador”: bandido de carteirinha, louco para servir aos desígnios sujos dos agentes políticos do Estado. E o “desesperado” que realmente se rendia à pressão irresistível – com prisão injusta e cruel feita, criminosamente, para quebrar o moral do cidadão. Ameaças. Extorsões. Ninguém pode exigir que a pessoa resista a uma tortura desumana, o cárcere injusto aniquila. Iguala-se a uma sessão de martírio permanente e covarde.

 

O próprio ministro Gilmar Mendes já admitiu isso no Plenário do Supremo Tribunal. Quem prende para conseguir uma delação merece ser tratado como um criminoso da pior espécie. É um bárbaro, covarde e desumano e tem que ser responsabilizado. Chegamos ao cúmulo de um procurador da República admitir expressamente, em um processo, que a custódia preventiva era usada para forçar o preso a delatar. Um escárnio!

 

Há anos, corro o país para denunciar esse mercado abjeto das delações premiadas. O primeiro requisito para uma delação válida é a voluntariedade. O delator tem que querer, pelos mais diversos motivos, entregar determinada situação. É um instrumento legítimo

 

de defesa que a Operação Lava Jato prostituiu. Ao instrumentalizar o Poder Judiciário e o Ministério Público, o ex-juiz Sérgio Moro e os seus procuradores amestrados resolveram fazer da delação uma forma corrupta de produção de prova. Talvez a maior covardia já produzida, em série e com o uso da força do Judiciário. Um crime bárbaro. Além de uma covardia praticada em nome do Estado. Remeto-me ao mestre Manuel Bandeira, no poema Pneumotórax:

 

– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

  • Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
  • Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”

 

O episódio do delator Tony Garcia pode colocar luzes nesse obscuro e criminoso drama. Há meses, fui procurado para advogar para ele; coerentemente, não aceitei. Ele foi um delator que, inclusive, prejudicou clientes e amigos meus. Mas a narrativa dele é estarrecedora. Aconselhei-o que procurasse, com seriedade e até parcimônia, o Supremo Tribunal Federal. Era tudo muito grave. Gravíssimo! O desnudamento do que poderia existir de pior no Judiciário. Uma forma sofisticada de corrupção. Um acinte. O uso da força do Estado para subjugar o cidadão. A tortura oficializada. A pior maneira de submeter uma pessoa à opressão do Estado. Uma covardia em nome do Judiciário. Ou o Estado dá uma resposta à altura, ou desistimos do que se pretende chamar Estado democrático de direito.

 

Gosto de um ditado que adaptei, “a vida dá, nega e tira”, e ele cai como uma luva para os facínoras agora desfraldados. Imagine que, quando ganhei a ADC 43 – sobre possibilidade da prisão após condenação em segundo grau -, que resultou na liberdade do Lula, o então juiz Sérgio Moro declarou que era sua maior derrota. Agora, imagino a alegria dele, pois só será levado ao cárcere depois do trânsito em julgado da inexorável condenação. E mais, conseguimos, ao derrotar o projeto reacionário do Pacote Anticrime do Moro, emplacar, para ódio do ex-magistrado fascista, a necessidade de contemporaneidade para o encarceramento preventivo. E essa é uma regra que agora o mantém ainda livre.

 

É importante ressaltar: se os fatos da delação do Tony Garcia contra o Moro e a sua trupe de estimação estivessem sob o crivo do então juiz e seus procuradores amestrados, nós, certamente, teríamos um pedido de prisão – adredemente combinado

 

– feito pelos Deltans e seus cúmplices e a prisão deles mesmos sendo decretada pelo juiz Sérgio Moro.

 

Vamos superar esse tempo de trevas e dar a esses facínoras tudo o que eles não deram aos réus e aos investigados de então. Se negarmos a eles o amplo direito de defesa e todas as garantias constitucionais, eles, os bárbaros, terão vencido. Mas é preciso levar a investigação em questão com a seriedade que ela merece. Em nome e em homenagem aos que foram perseguidos e injustiçados. E, principalmente, em nome da Democracia que queremos para o sistema de Justiça.

 

Lembrando-nos do mestre Carlos Drummond, no poema José:

 

E agora, José? A festa acabou, a luz apagou,

o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você?

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

 

Confira o artigo publicado no Poder 360 no dia 19 de janeiro.

Deixe um Comentário





Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.