ERRO JUDICIÁRIO: MILHARES DE ADRIANAS E MAIRLONS BRASIL AFORA

“Deixei de rezar.

Nas paredes

rabiscadas de obscenidades

nenhum santo me escuta.

Deus vive só

e eu sou o único

que toca a sua infinita lágrima.

Deixei de rezar.

Deus está numa outra prisão.”

Versos do prisioneiro 1 – Mia Couto

 

A vitória que Adriana Vilella teve no Superior Tribunal de Justiça, em 2 de setembro deste ano, para anular seu processo, inclusive a sentença de pronúncia, com o direito de recomeçar a instrução processual foi, sem dúvida, uma vitória do devido processo penal democrático. A Polícia Civil e o Ministério Público, como revelado, agiram em conluio para esconder, omitir documentos que comprovariam a inocência dela. O mínimo que se espera em um estado democrático de direito é que a acusação aja com lealdade e que a paridade de armas seja respeitada. Para que se cumpram o direito pleno de defesa e o devido processo legal é necessário que a defesa os exerça em sua plenitude. Daí a importância singular do julgamento que anulou o processo de Adriana Vilella.

 

Se a repercussão desse julgamento foi bastante grande, imaginem o impacto do que ocorreu no dia 14 de outubro, quando a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não apenas anulou todo o processo criminal do corréu Francisco Mairlon como determinou o trancamento da ação penal e a sua imediata soltura! Agora, Mairlon não é mais nem sequer investigado.

 

A diferença fundamental é que, mesmo com todo sofrimento e tristeza, Adriana responde ao processo em liberdade. É claro que o desgaste emocional, a dor e o sentimento de injustiça pesam na vida da filha do casal assassinado. Adriana Vilella teve seus sonhos interrompidos por uma trama criminosa armada contra ela. Mas, no caso do Mairlon, o que causa mais revolta ao cidadão que está acompanhando os julgamentos é que ele ficou preso de forma injusta e ilegalmente por longos 15 anos! Roubaram covardemente a vida desse infeliz. Quando ele foi preso, sua esposa estava grávida.  Durante esses 15 anos, ele só viu o filho uma única vez. Nesse período de cadeia, seus irmãos resolveram fazer Direito para ajudá-lo. A família nunca o abandonou pois tinha certeza da sua inocência plena. E é impressionante a postura desse injustiçado ao sair do presídio. Falou sem ódio, agradeceu aos que acreditaram nele, especialmente ao trabalho excepcional desenvolvido pelo Innocence Project Brasil, coordenado por Dora Cavalcanti que, por longos 5 anos, dedicou-se a provar a inocência de Mairlon. Foi lindo ouvi-lo dizer que precisou ter muita resiliência para sobreviver no presídio. No Brasil, pela lei, o Ministério Público tem que provar a acusação. Mas, na prática, na vida real, a defesa é que tem que provar a inocência. Escondem provas. Ocultam documentos. Forjam teses. Deturpam verdades. Intimidam testemunhas. Agem criminosamente e ficam impunes. O caso de Francisco Mairlon é espantoso. Um escândalo!

 

É importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça não apenas trancou a ação penal em relação a Mairlon. Os ministros, expressamente, admitiram que houve um erro judiciário. E isso tem que ter consequências, inclusive para os que arquitetaram, tramaram e executaram as ações criminosas que deram base para o erro. Não é possível que a Corte da Cidadania decida que houve um erro judiciário e que daí não surjam providências. É hora de perguntar: quantos Mairlons existem nos 800 mil presos no Brasil? Quantos erros judiciários estão fazendo com que inocentes estejam, neste momento, injustamente, em uma cela imunda nesse sistema penitenciário medieval?

 

É impossível não me remeter ao poema “Versos do prisioneiro – A sentença”, de Mia Couto:

 

“Você

tem que aprender

a respeitar a vida humana, disse o Juiz.

Parecia justo.

Mas o juiz

não sabia que, para muitos, a vida não é humana.

O prisioneiro retorquiu:

há muito me demiti de ser pessoa.

E proferiu, por fim:

um dia,

a nossa vida será, enfim,

viva e nossa.”

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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