Gaza: crianças mortas, famintas e órfãs. Eles sabem o que fazem!

Perdoai

Mas eu preciso ser outros.

Eu penso renovar o homem usando borboletas.”

Manoel de Barros

 

Quando vi a mesa composta por líderes e chefes de Estado, no Egito, sob o comando de Donald Trump, para assinar o acordo de paz entre Israel e Palestina, senti falta dos representantes de Israel e da Palestina. Por mais que tivessem líderes significativos, parecia óbvio que era um acordo de paz, com cheiro de trégua, de cessar-fogo e com um roteiro para reforçar a propaganda de grande merecedor do prêmio Nobel da Paz para o Presidente dos EUA. Foi uma grande comemoração, montada com incrível competência e rapidez, até pelas presenças significativas, mas que certamente não visava à paz definitiva e ao fim do massacre em Gaza.

 

A chamada Cúpula de Paz de Sharm el-Sheikh foi uma reunião diplomática copresidida pelo Presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, e pelo Presidente dos EUA, Donald Trump, ocorrida em 13 de outubro, e contou com líderes de 30 países. A foto ficou para a história, mas o barulho das bombas não demorou a romper o silêncio momentâneo. O medo, o terror e as mortes logo se fizeram presentes outra vez.

 

Ouvi de um representante da UNICEF, que esteve em Gaza após o, digamos, cessar-fogo, que o ambiente é de completa desolação. O relato chocou mais por retratar a miséria, o abandono, a fome e o desespero das crianças. Aquela região se notabilizava pelo altíssimo índice de alfabetização. É importante ressaltar que quase metade dos moradores da Faixa de Gaza, cerca de 47%, tinha menos de 18 anos em 2023, antes do genocídio. Depois do massacre, todos estão há 2 anos sem escolas. Mais de 620 mil palestinos ficaram sem acesso à educação. O nível de analfabetismo estava em 3,3%. As crianças, muitas delas órfãs do genocídio, não têm onde se abrigar ou a quem recorrer. Os prédios, as casas e os hospitais foram praticamente todos destruídos. Em uma faixa razoavelmente curta, com uma área de 365 quilômetros quadrados, entre as fronteiras do Egito e Israel e o mar Mediterrâneo, as crianças perambulam entre tendas montadas para servirem de abrigo e que já estão em estado lamentável.

 

É necessário lembrar que os serviços públicos foram dizimados ou severamente atingidos. Não existe água nem para beber, nem para cozinhar e nem para higiene pessoal. Na verdade, não existe sequer o que cozinhar, pois a fome é uma estratégia do genocídio. Matar de fome e, também, enfraquecer ao extremo os que sobreviverem. A fome leva ao desespero e à falta de capacidade de raciocínio.

 

A descrição das crianças andando sozinhas, sem nenhum parente, esquálidas e famintas é a própria descrição do inferno. A impressão que dá é a de que o mundo parou de acompanhar para poder resistir a tanta barbárie. É difícil resistir a tanta barbárie. Se para nós, do conforto dos nossos lares, é desgastante e sofrido acompanhar a dor e o desespero dos sobreviventes da Faixa de Gaza, imagine o que é viver sob permanente tensão, medo, barulho de bombas, cadáveres insepultos, sede, fome, sem um local para morar e sem esperança.

 

Com a trégua, as máquinas começam a limpar os escombros. O trabalho, às vezes, é interrompido pelo descobrimento de corpos soterrados. Os terroristas do Hamas alegam que alguns dos reféns israelenses foram mortos por bombas de Israel quando estavam em túneis e em esconderijos. Na tentativa de retirar o enorme entulho que restou com a destruição de 90% dos edifícios e casas, há corpos sepultados que vão aflorar. O que sobrou dos corpos de palestinos e israelenses. Numa cruel ironia, eles vão estar enterrados, provavelmente, no mesmo espaço, sem identificação possível. É mais uma comprovação da absoluta irracionalidade dessa guerra insana.

 

Quando se propaga que nesse espaço surgirá, após a reconstrução do que foi criminosamente destruído, um grande empreendimento que será a Riviera do Oriente Médio, chegamos à triste conclusão de que o mundo perdeu de vez o sentido. Onde alguns conseguem perceber a dor e o desespero das crianças andando sem rumo, sem esperança, com fome e sede, outros já conseguem ver uma grande oportunidade de negócio.

 

A guerra sempre foi um negócio bilionário, mas a desfaçatez na Faixa de Gaza passou de todos os limites. A desnutrição das gestantes em Gaza terá severos efeitos geracionais. A humanidade morreu um pouco com cada uma das mais de 20 mil crianças mortas, das 58.554 que ficaram órfãs e das 1102 que foram amputadas. Morremos todos nós.

 

Para quem acredita, vale citar Lucas 23:34: “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem”, frase atribuída a Jesus enquanto pregado na cruz. Em Gaza, eles sabem o que fazem.

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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