O BRASIL REAL QUE O MERCADO ESCONDE

“Perdi muito tempo até aprender que não se guarda as palavras. Ou você as fala, as
escreve, ou elas te sufocam.”
Clarice Lispector
Cada vez mais, tenho a certeza da importância de as pessoas acreditarem no que é
certo. No comecinho do primeiro governo Lula, fui procurado pelo Ricardo Teixeira,
então todo-poderoso presidente da CBF. Meu cliente e meu amigo, ele disse que queria
conhecer o Lula e o Zé Dirceu. A CBF é muito poderosa e considerei que uma
aproximação seria boa para todo mundo.
Marquei um jantar em minha casa com o ministro José Dirceu e o Presidente da CBF.
No jantar, tivemos uma ideia que terminou em uma ação genial: o jogo da Paz, Brasil X
Haiti. Numa época de guerra pós-terremoto, o país estava completamente arrasado.
Todos nos entusiasmamos. O Ricardo Teixeira, empresário com larga experiência, logo
colocou na mesa que, com o país quebrado e em guerra interna, a segurança do jogo
seria caríssima. Mas valeria a pena, ele frisou. O ministro José Dirceu, com sua larga
experiência política e seu conhecimento sobre o povo, foi taxativo: disse que não
gastaríamos nada, pois o povo haitiano amava o Brasil e, especialmente, o futebol
brasileiro. Quando o avião aterrizasse, o povo seria nossa segurança.
Fomos em dois aviões, um com o Presidente Lula e ministros, e o outro com a equipe
da CBF e os jogadores. Foi preciso dormir na República Dominicana, pois não havia
como dormir em segurança no Haiti. Quando descemos no aeroporto e o povo haitiano
tomou a pista, foi emocionante. Nenhuma violência. Fomos para o estádio de Urutu e
caminhões de guerra, mas na mais absoluta paz, harmonia e alegria. Quase todos
choramos. Lula fez questão de fazer um agradecimento aos jogadores no pequeno
vestiário. E, em campo, a emoção dominou a todos.
O José Dirceu tinha razão. A importância de saber exatamente o que o povo sabe, em que o povo acredita. Qual
informação chega até a população. Esse exemplo serve também para a economia.
É incrível o poder de quem controla o tal “mercado” e, por consequência, a grande mídia,
e parece meter a mão na cabeça das pessoas por dentro. A mão grande. Aquela que
serve também para vedar os olhos. Em um país onde o Congresso Nacional é
esmagadoramente reacionário, conservador e representante dos grandes grupos, o
mais fácil é fazer passar à sociedade a verdade encomendada, que consegue afligir o
cidadão comum, o povo. A análise que interessa a esses pequenos grupos é que vai
imperar e dominar o coletivo.
Nesta semana, li um artigo, extremamente bem escrito, do jornalista Pedro Cafardo.
Além do título genial, “Coisas que acontecem num certo país infeliz”, o autor trouxe
dados que eu vivo tentando colocar em certas rodas, sem sucesso. Eles são
conhecidos, mas não são divulgados de maneira que façam as pessoas refletirem. A
forma com que se manipula a realidade faz a verdade parecer mentira, o que deveria
ser esperança passa a ser desespero e o que teria que fazer o trabalhador acordar cedo
com alegria, é transmudado para tristeza, rancor e desesperança. Acontece que são
dados. Estão aí para quem conseguir afastar a névoa densa que faz os olhos não
conseguirem ver.
Alguns desses dados impressionam: ao contrário da inflação estar incontrolada, ela
atingiu, nos últimos dois anos, 4.73%, estando abaixo da média dos últimos trinta anos
(6.5 % ao ano). O aumento do preço dos alimentos, alardeiam, tira-nos a fome.
Enquanto a renda das famílias em geral cresceu 10% e a das famílias mais pobres
aumentou 19%, os alimentos subiram 8% no ano passado.
Quanto ao desemprego, o barulho que fazem desanima o desempregado a tentar uma
vaga. Mas, na verdade, a informalidade recuou para 37,9% e a taxa de desemprego
para 6,6% da força de trabalho no primeiro trimestre. A previsão, que não será
alardeada, é que ela deve cair para 5,9% até o final do ano. Por tudo isso, a
desigualdade de renda foi a mais baixa da história no ano passado. E, frisa nosso
jornalista estudioso, a renda per capita domiciliar mensal é a maior desde o início da
série histórica.
Se nada desses números impressiona, há algo que o Presidente Lula tem orgulho em
contar, ainda que para ouvidos moucos. Segundo a ONU, o número de pessoas em
situação de fome diminuiu de 17,2 milhões, em 2022, para 2,5 milhões. Ou seja, 14,7
milhões deixaram de passar fome! Pelo menos esse fato teria que ser contado e
apregoado com pompa e circunstância.
E o PIB insiste em crescer e decepcionar os abutres da manipulação. Na verdade,
ganham muito dinheiro com isso. Em 2023, esperava-se 1,4% e deu 2,9%. Em 2024,
previa-se 1,6% e veio 3,4%. O lucro líquido das 387 companhias abertas não financeiras
deu um salto de 30,3% no trimestre para 57 bilhões e as receitas cresceram 13,9% para
976,7 bilhões. Na área financeira, só o lucro dos quatro maiores bancos cresceu 7,3 %
e somou 28,2 bilhões. A indústria voltou a crescer 3,1% em 2024.
E assim, nós vamos ter que aprender a enfrentar, na política, uma estratégia de mentiras
e tramas golpistas; na economia, um tom macabro sobre as questões fiscais que
ocupam o imaginário e a imprensa de maneira avassaladora, que faz uma tristeza
intrínseca sentar à mesa. Ao que parece, uma das táticas da elite é fazer o povo
desacreditar e deixar de sonhar, até para não ver os avanços do momento presente.
Na verdade, é muita maldade investir no aniquilamento de um povo. O presidente Lula
disse, nesta semana, que “o Brasil dá 860 bilhões de reais de isenção fiscal para os
ricos”, o que significa 4 vezes o valor da Bolsa Família. E resumiu bem: “
O que a gente dá para eles é investimento, o que é para vocês é gasto”.
Remeto-me a Noam Chomsky: “ O Brasil é uma espécie de caso especial. Raramente vi
um país onde elementos da elite têm tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo
trabalhador. É enraizado”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay