O SUPREMO, O PROCESSO, A CADEIA E A NORMALIDADE DEMOCRÁTICA

“Ou falseou na polícia ou está falseando aqui.”
Repreenda do ministro Alexandre de Moraes ao ex-comandante do Exército e general da reserva Freire Gomes em depoimento prestado como testemunha de acusação, no Supremo Tribunal, em 19 de maio, no processo em que Bolsonaro é réu
Desde o dia 18 de fevereiro de 2025, quando a procuradoria-geral da República ofereceu as denúncias referentes ao que se convencionou chamar “8 de janeiro” – na verdade, as peças acusatórias comprovam, à exaustão, que o golpe foi urdido desde o começo do governo Bolsonaro -, tenho defendido que esses processos podem, e devem, ser julgados até setembro.
Sem açodamento, mas sem permitir chicanas. Respeitando o devido processo legal, a ampla defesa e o processo penal democrático. E tenho ressaltado, em palestras, debates e artigos, a importância do Supremo Tribunal na manutenção da estabilidade democrática. Esse poder, em regra patrimonialista, conservador, misógino e racista, foi que botou o pé na porta e impediu o golpe e a Ditadura no Brasil. Claro que com o apoio de parte de uma sociedade que sentiu a gravidade do movimento golpista.
Nesta semana, a Corte está ouvindo as testemunhas de acusação; em 2 de junho, começam ser ouvidas as da defesa dos 8 réus. Não vislumbro hipótese de necessidade de perícia, salvo algo que desconheço, e o interrogatório dos réus deve se dar ainda neste semestre. Não podemos nos esquecer de que mais de 400 pessoas já foram julgadas e condenadas pelos mesmos fatos. Agora, o que está sendo julgado é o “núcleo crucial”: os líderes da organização criminosa. O Dr. Paulo Gonet foi muito inteligente em dividir a acusação em 5 núcleos, pois isso permite um processo bem mais ágil e garante a defesa dos denunciados em sua plenitude.
Mas há algo que chama a atenção de quem acompanha o desenrolar dos processos. Os bolsonaristas arrotavam que, se mexessem com o Bolsonaro e com a cúpula militar, o país iria parar, com milhões de pessoas nas ruas. Esse era mais um delírio de uma massa ignara, inculta e sem nenhuma capacidade de análise crítica.
É muito importante ressaltar que, desde dezembro do ano passado, o general Braga Netto, ex-poderoso chefe militar e ministro do Bolsonaro, está preso. O ex-presidente virou réu juntamente com mais 2 generais, um almirante ex-ministro da Marinha, um ex-ministro da Defesa, um ex-ministro da Justiça e nenhuma turbulência foi sentida, nem nos quartéis e nem nas ruas. No julgamento de 20 de maio, que tornou réus os membros do grupo tático, foram julgados vários generais, tenentes coronéis, coronéis e um policial federal. Ao todo, foram 10 pessoas do núcleo militar que tiveram a denúncia recebida; 2 não viraram réus por falta de justa causa para a ação penal. Do alto escalão já são réus no Supremo Tribunal 31 autoridades, civis e militares.
E não houve uma única manifestação que chamasse atenção. Tudo na mais perfeita normalidade democrática. Cada um respeitando e cumprindo o espaço destinado às organizações da sociedade civil, aos poderes constituídos e à imprensa. Na última manifestação de apoio aos golpistas, os bolsonaristas levaram perto de 4 mil pessoas. A partir de setembro, não devem acontecer mais protestos de rua. Nem Bolsonaro iria, pois deve estar preso, condenado a mais de 30 anos de cadeia. E o país segue com absoluta tranquilidade democrática.
Em outubro de 2018, com a vitória de Bolsonaro e o crescimento da extrema direita que se alimenta do ódio e da barbárie, tivemos um importante alerta dos grandes escritores moçambicano e angolano, Mia Couto e José Eduardo Agualusa: “Seguimos atentos, apoiando a liberdade, o amor pela diversidade, o respeito pelo outro. Estamos com o Brasil que aprendemos a amar e que não queremos perder. Não ao ódio, sim à democracia! Sim à democracia, não ao ódio!”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay