Os pequenos jardins de Paris e o Rio Sena

A ostra cria a pérola

para se distrair do mar.

O poeta cria a beleza

para distrair-se do efêmero.

Só Deus cria a rosa

para distrair-se do eterno.”

Leão de Formosa, poema Criação.

 

Os pequenos jardins de Paris parecem que foram feitos para nos abrigar e nos acolher. Ao contrário dos grandes e tradicionais, que são uma das marcas da cidade, o Tuileries, o Jardin du Luxembourg, o des Plantes e o Bois de Boulogne, nos quais gostamos de correr e de andar, os menores são talhados para uma Paris mais intimista, no máximo com um livro como companhia. Não que os maiores não sirvam a essa solidão bem acompanhada, mas é um aconchego diferente. Remete-me a Pessoa, na pessoa de Alberto Caeiro, no poema Guardador de Rebanhos:

 

Não tenho ambições nem desejos

Ser poeta não é uma ambição minha

É a minha maneira de estar sozinho.”

 

Na rue de Furstenberg, tem um jardim privado que dá vontade de pular o muro. Mas nem precisa, pois, ao lado, tem um pequenino da Igreja Saint-Germain, Square Laurent- Prache, onde se pode até rezar sob o olhar severo da escultura de Guillaume Apollinaire, na Place Juliette-Gréco. Bem perto, no Square Honoré Champion, há uma pedra enigmática na qual se lê Voltaire, sem nenhuma explicação, mas que chama a atenção dos descuidados que gostam de jardins pequenos.  Andando mais um pouco, entrando na Ilha, encontramos a charmosa Place Louis-Aragon, que só tem um banco, mas é debruçada no Sena. São centenas de pequenos jardins que preferem ficar no anonimato, até para poderem continuar nos acolhendo com mais carinho. Mário Quintana nos contava:

 

O que mata um jardim não é mesmo alguma ausência

nem o abandono…

O que mata um jardim é esse olhar vazio

de quem por eles passa indiferente.”

 

As cidades têm que se reinventar constantemente. Sem perder a alma que nos faz vir de longe, mas abrindo sempre novos espaços. Li, agora, que o Rio de Janeiro devolveu ao povo a praia do Flamengo, que está novamente apta para banho naquele cenário de sonhos. E parece que foi mais simples do que se imaginava, faltavam visão e vontade política.

 

Paris está em estado de suspense pela chegada das Olimpíadas em julho de 2024. A cidade virou um grande canteiro de obras, mas o que mais impressiona é a determinação de recuperar o Sena para os banhistas. Imagine tê-lo de volta como lugar para banhar? Um sonho que será realizado. A promessa é que, em 2025, os parisienses poderão nadar no rio. Essa é a afirmação categórica da prefeita de Paris, Anne Hidalgo. Na realidade, há exatos 100 anos, em 1923, houve uma proibição expressa de mergulhar no rio, embora as pessoas continuassem a usá-lo até o início de 1960 para banhar. Já foram investidos 1,4 bilhão de euros para tornar o Sena apto para banhar. Para se ter uma ideia da magnitude do projeto, será necessário conectar 23 mil apartamentos e 260 casas flutuantes ao sistema de saneamento.

 

Hoje existem 42 piscinas públicas em Paris, como a famosa Josephine Baker, aberta em 2006 numa plataforma flutuante sobre o Sena junto com as águas do rio. Mas, agora, o projeto é mais amplo. Os esportes aquáticos das Olimpíadas serão no rio Sena. Depois, ele volta a ser do povo e ninguém mais tira esse direito.

 

Nessa época de verão, Paris põe biquíni e vai à praia. Tanto nas da Côte d’Azur, como nas do Sena. O projeto Paris Plages, de 8 de julho a 3 de setembro, leva parte dos sisudos parisienses à beira do rio para se permitirem se esbaldar no imaginário de uma praia parisiense. Neste ano, com a promessa de recuperá-lo, parece que o “Paris Praia” está ainda mais convidativo. É óbvio que o francês tradicional continua com o nariz empinado nas praias entupidas de gente da Côte d’Azur.

 

Mas este é plano: uma Paris com jardins pequenos, o Sena recebendo o povo francês e os turistas para se deliciarem nas águas do rio e os quatrocentões franceses indo se encontrar com os quatrocentões paulistas bem longe da Cidade Luz. Vai ser um sonho. Paris, mais do que nunca, como já disse Hemingway, vai ser uma festa!

 

Recorro-me a Cecília Meireles, no Poema Leilão de Jardim:

 

Quem me compra um jardim com flores?

Borboletas de muitas cores,

lavadeiras e passarinhos,

ovos verdes e azuis nos ninhos?

 

Quem me compra este caracol?

Quem me compra um raio de sol?

Um lagarto entre o muro e a hera,

uma estátua da Primavera?

 

Quem me compra este formigueiro?

E este sapo, que é jardineiro?

E a cigarra e a sua canção?

E o grilinho dentro do chão?

 

(Este é o meu leilão.)

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

 

 

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