PACHECÃO: UMA VIDA DIGNA E INTENSA

Ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho.”

Fernando Pessoa, na pessoa de Alberto Caeiro

 

Uma das entrevistas mais interessantes que já dei, em setembro de 2015, foi para o escritor, jornalista, intelectual e roteirista Aguinaldo Silva. O autor colocou um título simpático: “A vida dele daria uma novela”. Ele, além de extremamente inteligente, é culto e sabe levar uma conversa. Entrevista como quem escreve uma novela, concatenando os fatos e levando o assunto para onde interessa.

 

Antes da gravação, fui surpreendido com 2 perguntas que, infelizmente, não ficaram registradas. Fui questionado sobre qual seria a maior homenagem que um brasileiro poderia receber. Respondi, sem titubear, que seria ser homenageado por uma escola de samba no Carnaval do Rio de Janeiro. Ser letra de um samba-enredo, imagino, é a glória em vida. Depois, indagou sobre a segunda maior homenagem. Respondi que seria ter um personagem em uma novela inspirado na pessoa homenageada. Para minha enorme alegria e surpresa, ele me disse que a novela dele que estava no ar tinha um personagem, em parte, que me homenageava: o Comendador! Reconheço que fiquei quase sem fala de tão feliz.

 

Anos depois, estamos vivendo momentos de dor e devassidão com a morte violenta, cruel e absurda do nosso querido Luiz Fernando Pacheco. Em um primeiro momento, chegamos a pensar que ele havia sido vítima de metanol, em razão de uma postagem de brincadeira na madrugada. Pachecão era, como vários de nós advogados criminais, chegado a um bom copo. As dores da vida de um criminalista levam a ter a boemia como companheira. Em menor ou maior grau.

 

Pacheco era intenso. Ele esbanjava amor, carinho, exalava coragem e um incrível senso de justiça. Sua sensibilidade não permitia que a injustiça se cristalizasse ao seu lado. Ele respondia sempre de bate-pronto e sua altivez cívica era uma característica da sua personalidade. E transbordava carinho. Amor mesmo, sem medo de ser piegas. Esta é uma imagem que ficou: uma pessoa que se entregou à vida, à Justiça, à solidariedade e à amizade. De certa maneira, ainda que absurda, a morte por um copo errado pareceria mais com a gente. Por isso, as imagens do covarde latrocínio nos jogaram, inicialmente, em um buraco sem fundo e em uma tristeza avassaladora. Um homem que dedicou a vida a construir laços de solidariedade e de aconchego, com sua voz forte ecoando pela liberdade e pela paz, foi vítima de um crime violento.

 

Lembrei-me do Aguinaldo Silva por um detalhe curioso. Nos últimos dias, em um dos vários subgrupos do Prerrogativas – importante grupo democrático -, o Pacheco resolveu reescrever a novela Vale Tudo. Todos os dias, com incrível originalidade, ele criava um capítulo delicioso de ler. E fez de nós, que participávamos do grupo, personagens da sua deliciosa mente criativa. Estávamos todos, de certa forma, realizando um sonho não assumido de sermos parte de uma original e criativa trama novelesca. Todo aquele enredo absurdo combinava com nosso tempo caótico. Era divertido. Era engraçado. Era instigante. Provocador. Um non sense que combinava, em boa parte, com a leveza do Pacheco. Uma leveza densa.

 

Nada nele era por acaso. Se vivo estivesse, certamente levantaria a voz para criticar a falta de segurança, a tristeza do latrocínio, a ausência do Estado nas ruas, mas, imagino, não iria ser dele a voz forte e segura para crucificar seus algozes. É assim que quero continuar a me lembrar dele. É uma lástima que a gente não possa voltar no tempo e permitir que ele, na sua volúpia criativa, escrevesse, na novela imaginada, uma cena na qual, após ser agredido covardemente, o próprio Pacheco, incorporado em um personagem da novela, fizesse um movimento pela segurança e pela paz. Sem ódio e sem violência. A novela teria, assim, um final feliz.

 

Lembrando-nos do matuto Manoel de Barros, em verso feito à medida para o Pacheco:

 

Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras -b     liberdade caça jeito.”

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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