QUEM É QUEM

É necessário dar o nome exato aos fatos: hoje a disputa é entre civilização e barbárie, escreve Kakay…

“Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além.” – Paulo Leminski

A receita é antiga e, normalmente, não tem erro nesta hora: nos períodos de crise mais profunda, as pessoas vão mostrar as suas faces e vamos conhecer quem é quem. Isso é fundamental para a convivência em um Estado democrático de direito no qual os limites, as relações e as atitudes devem ser definidas e respeitadas. É o momento de tirar as máscaras e retirar as peias; não há por que, numa crise extrema, não nos manifestarmos com clareza e coragem.

Todos nós temos o direito de escolhermos uma opção política lato sensu, não necessariamente partidária, que é definida pelo caráter, pela formação humanista e pelo respeito às regras constitucionais. Quem, em relação ao trágico episódio do assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda –que estava comemorando seu aniversário de 50 anos com a família, numa festa privada e foi covardemente morto por um bolsonarista ensandecido–, continuar dizendo e defendendo que o crime se deu pela polarização política, é cúmplice. Ou é bandido, ou é bolsonarista covarde, ou é um ignorante útil que fomenta a divisão. Não tem como fugir. A história há de cobrar. Pouco importa se for jornalista, político, empresário ou banqueiro, nada afasta uma verdade básica: um bolsonarista cruel e sem caráter, seguindo o credo do chefe Bolsonaro, executou covardemente um pai de família para cumprir um chamamento à violência desse fascista que governa o Brasil.

É necessário dar o nome exato aos fatos e retratar as responsabilidades. O presidente da República, um desqualificado, cultor da morte e da tortura, usa o poder do cargo para incentivar a violência. Clama pela morte dos que ele considera inimigos. Glamouriza a agressividade com atitudes ridículas, banaliza a vida e desdenha da dor alheia.

Uma lástima, um desastre e uma hecatombe em termos de civilização. As práticas fascistas estão demolindo todas as conquistas humanistas das últimas décadas. O que existia de rivalidade normal entre oponentes políticos –FHC e Lula, Serra e Dilma– não existe mais. Agora é guerra, é ódio, é crime e é barbárie. É um serial killer fomentando a violência. É o caos. A morte.

Assim, devemos todos reagir aos desmandos criminosos. Não podemos continuar debatendo o golpe, a tramoia, a covardia e a cumplicidade criminosa como sendo simples divergência política. Não é! Não tem nada de partidário nesse embate. Estamos tratando de atitude civilizatória, de manutenção da democracia e de vivência democrática. Lembrando-nos de Clarice Lispector: “Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre.”

Ou nos posicionamos agora, ou não haverá hipótese de nos posicionarmos no futuro. Até porque, não há futuro em um regime de exceção; há, no máximo, resistência. Isso é, na realidade, o que nos resta. Devemos ter a coragem e a lucidez do enfrentamento. A definição, há tempos, deixou de ser entre esquerda e direita. Se não quiserem enfrentar o óbvio, barbárie X civilização, pelo menos que nós nos identifiquemos entre a vida e o culto à morte, à ignorância e à ganância.

Sem empatia, fica difícil discutir. E, na verdade, é exatamente aí que nós perdemos a discussão: os bolsonaristas não querem esse debate, esse impasse. Eles se sentem bem no submundo da violência e da teratologia. As pessoas, incautamente, consideram que ninguém pode se jactar de ser violento, de ser sádico e de ter prazer na dor do próximo. Mas, verdadeiramente, eles se sentem assim: fascistas assumidos e cultores da morte. O erro é nosso, eles têm orgulho do que são. É a escória do mundo com um orgulho enorme e cheia de si.

Por isso, é necessário que façamos o embate antiautoritário derrotando-os nas urnas. Sem cair na instigação barata do ataque como maneira de agir, mas sem agachar na hora do tapa. Serão meses tensos, nos quais essa escória irá testar ao limite a resistência democrática, com provocação e violência. Só nos resta enfrentar, sem a agressividade deles, mas com coragem e resiliência. O que está em jogo é a estabilidade institucional e o país merece todo nosso empenho e luta.

O mundo e o momento brasileiro exigem de nós: sejamos pacifistas, sejamos humanistas. Tudo o mais é consequência. Sempre nos amparando em Pessoa: “Porque eu sou do tamanho do que vejo. E não do tamanho da minha altura”.

Publicado no Poder 360.

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