RESISTÊNCIA NECESSÁRIA

“Às vezes sabedoria
é apenas
observar e calar
Às vezes observar
e calar
é cobardia.”
João Melo, poema Dialética, Os sonhos nunca são velhos
Foi lendo “O cérebro do meu pai”, de Jonathan Franzen, que resolvi uma questão que aflige muitos de nós: até quando vale a pena viver e quais os limites devemos nos permitir? Embora pareça claro que a lucidez, a dignidade no dia a dia e a consciência devem nos guiar, nem sempre essa é uma certeza. Guimarães Rosa nos ensinava que viver é perigoso. E, em tempos de justiçamentos, de verdades encomendadas e de pouco espaço para discussão sobre o que acreditamos, corremos o risco de ver o tempo tomar as rédeas das nossas vidas.
Sartre, ao escrever sobre Giacometti, no artigo “A Busca do Absoluto”, conta que o escultor destruía suas esculturas, logo após fazê-las, por considerar que elas não estavam suficientemente maduras. E o artista se explicava: “eu estava satisfeito com elas, mas eram feitas para durar somente algumas horas”. Ele buscava a profundidade, talvez, até a eternidade. Isso vindo do maior escultor de todos os tempos.
Hoje, as verdades se eternizam em segundos nos facebooks, nos instagrans e nas mensagens necessariamente curtas. O poeta mineiro Leão de Formosa profetizava: “eu não preciso do tempo porque sou eterno. Necessito, apenas, os mínimos espaços que demoram entre mim e seus braços”. Precisamos voltar a nos dar tempo e a olhar com olhos de querer ver os outros e a nós mesmos. É importante que tenhamos tempo para essas promessas e reflexões.
Enquanto Pessoa nos instiga a sermos grandes e inteiros em tudo o que nos metermos a fazer, nosso Manoel de Barros conta as vantagens de carregar água nas peneiras, ou seja, a fazer da vida a continuação dos nossos sonhos ou, até, dos sonhos a nossa vida.
A amizade deve ser aquela mão que Rilke previa que seguraria quem se lançasse, às cegas, em um abismo. E é na amizade das pessoas em quem confio que eu quero poder contar, no dia a dia, no embate permanente em busca de um mundo mais justo, igual e solidário.
É fundamental que estejamos juntos com o mesmo sentimento do mundo para enfrentarmos tantas iniquidades. O Brasil passa por um momento ainda delicado e, se os golpistas forem simplesmente perdoados, o fantasma de outro golpe continuará a nos rondar. Brecht avisou que “a cadela do fascismo está sempre no cio”.
Lembrando-nos de Pessoa:
“Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia.
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse uma vez que foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay