Senhor Procurador Geral: o Bolsonaro tem o direito de ser processado

“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”

Geraldo Vandré

O Brasil, realmente, não é para amadores. A repetição sistemática dos escândalos da família e do grupo político do ex-presidente Bolsonaro faz com que todos nós, que pensamos o país, tenhamos que ficar, também, repetitivos. A divulgação das investigações sobre os crimes cometidos pela trupe se dá de uma maneira em série. Mal dá tempo do cidadão, que quer acompanhar os fatos gravíssimos revelados, aprofundar-se na análise do que é publicado. Parece até que a estratégia bolsonarista é difundir os fatos apurados em série para que o mais recente faça sombra no crime de ontem. Por isso, refiro-me a ele como um serial killer. Muito ruim para o país que tem que se ocupar de outras prioridades.

Neste momento, temos todos que dar valor à independência e à seriedade da Polícia Federal. Uma polícia séria e republicana é muito importante. Especialmente em um país que viveu, muito recentemente, uma tentativa grotesca de manipulação do seu aparato. Bolsonaro disse, clara e inequivocamente, que queria o controle da Polícia Federal para proteger sua família. Em uma reunião ministerial, ocorrida no dia 22 de abril de 2020, o então presidente da República, de maneira descarada disse: “Eu não vou esperar foder minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final!”. A fala dispensa comentários.

Dentre outros motivos, só esse já seria o suficiente para a sociedade apoiar e reconhecer a atitude do atual governo no que diz respeito à postura republicana no trato com as instituições. O Presidente Lula foi injustamente processado, perseguido, preso e, ainda assim, em nenhum momento, voltou-se contra a Polícia Federal ou contra o Ministério Público e o Poder Judiciário. Um comportamento de estadista fez com que, mesmo com sofrimento e enorme certeza da injustiça, o tempo desse razão e mostrasse “quem é quem” na disputa de poder.

O país amadureceu. A Operação Lava Jato, braço criminoso dos bolsonaristas e principal responsável pela eleição do Bolsonaro, foi desmascarada e desmoralizada. Hoje, seus líderes andam pelas tabelas cabisbaixos à espera dos processos que se anunciam. O Conselho Nacional de Justiça, sob o comando do ministro Salomão, produziu um relatório fortíssimo no qual aponta a possível responsabilidade criminal, por peculato, corrupção e organização criminosa, do ex-juiz Sérgio Moro, do seu procurador adestrado, Deltan Dallagnol, e de outros atores da República de Curitiba. Os investigados pelos inúmeros inquéritos na Polícia Federal, inclusive Bolsonaro e sua família, certamente são acometidos por uma angústia profunda que lhes tira o sono e a paz. A simples existência de uma apuração criminal é avassaladora para o investigado.

O investigado tem o direito de ver o Estado acusador promover com a rapidez possível toda a condução do inquérito e da ação penal. Não pode o Estado, com todo seu aparato investigatório e repressivo, levar o processo penal além da conta. É um dever ser técnico, isento e rápido. Em uma República que se respeite, a estrutura do poder não pode nem proteger, nem perseguir. Isso é o que delimita os limites de um Estado democrático de direito.  

Todos nós, numa sociedade civilizada e com formação humanista, devemos lutar por um processo penal democrático e com respeito às regras constitucionais que asseguram os direitos de todos. Inclusive o direito a uma duração razoável de uma investigação e de um processo penal. Bolsonaro e seu grupo mais próximo têm o direito de serem processados de maneira técnica e com responsabilidade. As apurações não podem se perpetuar. 

A atual proposta que está tomando corpo em vários setores – a de esperar as eleições municipais para a PGR apresentar as denúncias – contraria frontalmente todos os princípios constitucionais que regem o processo penal. É tentar submeter o Ministério Público a um interesse político. Uma instrumentalização inadmissível da PGR. O argumento, que impressiona os incautos, é o de que uma acusação formalizada antes das eleições municipais daria discurso aos denunciados para posarem de vítimas e se dizerem perseguidos. Faz parte do jogo político, é um direito deles, mas não cumpre a cartilha democrática do direito processual penal republicano.

Ademais, cumpre lembrar que no Brasil existem eleições de 2 em 2 anos. Ou seja, neste ano de 2024 teremos as eleições municipais e, em 2026, serão as federais e a de Presidente da República. Nesse contexto, jamais chegaríamos a um fim em qualquer investigação. Os valores democráticos que devem pautar a República e os Poderes, evidentemente, não podem estar presos a tais conjecturas. Por paradoxal que possa parecer, o ex-Presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares mais próximos têm o direito de serem processados. Até para poderem se defender. Com a palavra, o procurador-geral da República.

Sempre nos lembrando do grande Ruy Barbosa, na sua Oração aos Moços: “Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

O texto foi escrito por Kakay ao Poder 360.

Deixe um Comentário





Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.