TRAGÉDIA DE MARIANA: O RIO DOCE DESÁGUA NO TÂMISA

“O que muda a gente não é o que a gente fala, é o que a gente cala.”

A citação costuma ser atribuída a Mario Quintana

Às vezes, num processo judicial, o resultado depende de como a história é contada. Se

essa história, qualquer que seja, tiver uma boa estrutura de mídia, ela tem uma enorme

chance de vingar e virar verdade. Foi um pouco o que aconteceu com a Operação Lava

Jato. A República de Curitiba era composta por um bando de aproveitadores, com uma

enorme fome de poder. Indigentes intelectuais que resolveram contar uma história, com

uma estratégia de marketing bem montada.

Por um tempo, incensados pela grande mídia – sempre com fortes interesses

econômicos -, os chefes da operação viraram semideuses. E o pior, passaram a

acreditar que eram semideuses. Quebraram setores econômicos fortes, estupraram a

Constituição, destruíram milhões de empregos, deram um prejuízo fenomenal às contas

do país e solaparam os direitos e garantias fundamentais. Só caíram quando a

sociedade percebeu que o cheiro putrefato das irregularidades e dos crimes cometidos

pelo grupo já podia ser sentido nas ruas.

Nesta semana, vim a Londres para um debate na London School of Economics com

advogados, estudantes de Direito e alguns prefeitos de Minas Gerais e do Espírito Santo

sobre a tragédia de Mariana, ocorrida há longos 9 anos. A lama tóxica, criminosamente,

correu 700 kms no leito do Rio Doce, matando gente, destruindo o rio, que era o próprio

sentido da vida para muitos, acabando com o sustento e sepultando o sonho de

ribeirinhos, povos originários e quilombolas. Era uma lama que só vazou por causa de

uma inapelável ação criminosa. Mas a história que está sendo contada não leva em

consideração os milhares de atingidos. A versão dos responsáveis fica mais bem

acolhida nos tapetes dos tribunais, da cara e perversa grande mídia e passa ao largo

das dores e lamentos dos que foram tragados pela tragédia.

Basta ver a versão que a grande mídia divulgou sobre a ação penal que tramita em

Minas Gerais para responsabilizar criminalmente uma série de pessoas e as empresas

pelo crime ocorrido. A juíza admitiu, expressamente, que os fatos narrados pelo

Ministério Público na denúncia “podem ser suficientemente para uma responsabilização

nas esferas cíveis e administrativas”. Mas reconheceu, corretamente, que não houve a

necessária e imprescindível individualização das condutas de cada réu para ensejar

uma condenação penal. Isso não significa dizer que não houve ação ilícita e também

criminosa. O que afirmou a magistrada é que as acusações são “genéricas demais para

sustentar uma imputação penal.” Ou seja, mesmo com a evidência do crime ocorrido é

impossível condenar criminalmente sem especificar cuidadosamente quem foi o

responsável por cada ação. É assim que deve ser em um processo penal democrático.

Mas a narrativa dos réus é a de que não houve crime. Na verdade, não foi o que ocorreu.

A fala de um prefeito, aqui em Londres, dizendo que não entendia o porquê de eles não

terem sido ouvidos pelo governo e pelas autoridades num estranho acordo fechado a

quatro chaves, ecoou fundo. Lucidamente, ele colocou que os verdadeiros interessados

não foram chamados para sentar à mesa de negociação e que eles não iriam aderir ao

que foi pactuado no Supremo Tribunal, sem poder expor e difundir a real história contada

pelos que realmente sofreram com o crime perpetrado. E, ainda mais grave, até em

claro desrespeito à intervenção do STF, há relatos de que emissários das mineradoras

agora pressionam os municípios a aderirem ao acordo no Brasil para obrigá-los a

desistirem da ação em Londres, onde sabem que serão condenadas brevemente a

valores muito mais significativos e que serão pagos em um curto espaço de tempo.

Imoral essa pressão.

A história, quando contada sem escrúpulos, pode ter o tom que interessar a quem conta.

A disputa judicial na Inglaterra é simplesmente a maior ação que corre no tribunal

londrino. A força econômica das mineradoras, no mundo todo, não precisa ser

explicada. E um trabalho bem engendrado cuida não só de ter os grandes escritórios de

advocacia do mundo, mas também de tentar impedir as vítimas de ter acesso não só a

bons advogados, mas também ao Poder Judiciário! Criaram, com muito dinheiro e

competente trabalho de imprensa, uma versão negativa para os financiadores da causa

em Londres contra as mineradoras. Aqueles que, honesta e de maneira transparente,

ousaram investir no escritório londrino para financiar uma ação caríssima em nome das

vítimas (povos originários, quilombolas, ribeirinhos, municípios, tantos outros) contra o

super poder econômico das mineradoras, foram taxados de fundos abutres.

Os que foram responsáveis pela tragédia são os bonzinhos da história contada. Uma

pergunta simples deveria ser feita pela grande mídia: em 9 anos não julgaram a

indenização no Brasil; como os quilombolas – meus clientes – poderiam bater às portas

de uma Justiça cara e restrita como a inglesa? Sem financiamento do litígio seria

impossível!

As mineradoras, felizmente, não precisam de financiadores. Podem gastar milhões de

pounds – honesta e corretamente, registre-se – contratando grandes escritórios. Penso

que esta é que deveria ser a regra básica para resolver essa questão que se arrasta há

longos 9 anos: deixe a Justiça decidir! Vamos aos fatos. Vamos desnudar o que está

sendo encoberto de maneira cruel. Por que ter medo do Poder Judiciário da Inglaterra?

Lembrando-nos do mestre Cervantes: “Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é

loucura, nem utopia, é justiça!”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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