UM CRIME CONFESSADO E UM VEXAME INCONFESSÁVEL

“Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.”

Pablo Neruda

O Brasil mudou bastante, e para melhor, nos últimos anos. Há muito pouco tempo, eu advogava na investigação mais rumorosa da República. Levei para depor um grande empresário na Bahia. Após o depoimento, perguntei ao delegado se ele iria relatar o inquérito e ele me respondeu: “vou tomar o depoimento do governador e aí concluo a apuração”. Imediatamente, telefonei para meu querido amigo Márcio Thomaz Bastos, que era o advogado do governador, e relatei o que havia ouvido. Logo depois, o Márcio me ligou para contar, entre perplexo e surpreso, que havia repassado a informação ao governador. Ele desligou e retornou em 30 minutos dizendo que o governador tinha entrado em contato com o ministro da Justiça e com o Diretor da Polícia Federal passando o recado de que, se não tirassem o delegado da Polícia Federal do estado da Bahia em 3 horas, ele seria preso pela Polícia Militar, algemado, e andariam com ele pelo Pelourinho. No outro dia, não me aguentei, fui à sede da PF em Brasília e perguntei ao delegado: “Como foi o depoimento do Governador?”. Ele, sem graça, respondeu: “Não teve. Fui promovido a Adido Militar na Argentina. Estou indo amanhã. Deixei o inquérito”.

Durante o processo de perseguição ao Presidente Lula, coordenado pelo ex-juiz Sérgio Moro e seus procuradores adestrados, não teve por parte do Lula, ou das pessoas que ocuparam no período o poder, nenhuma ação no sentido de constranger, calar ou sufocar o Poder Judiciário, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. O confronto foi jurídico. Claro que, nesses casos, também há um embate político, mas sempre dentro de um espírito republicano.

O Lula foi preso injustamente e de forma ilegal por por 580 dias. Com dignidade, enfrentou os processos afirmando que iria provar sua inocência, com brio e altivez. Agora, o grupo bolsonarista, liderado pelo ex-presidente, optou pelo caminho inverso. Para tentar dar o golpe e instituir a Ditadura no Brasil, uma das estratégias foi desmoralizar os poderes constituídos. Havia um Executivo fascista agindo sem limites éticos e sem espírito republicano que cuidava de destruir todas as conquistas democráticas e humanistas. Um Legislativo, em boa parte, cooptado e submisso. Restava dominar o Poder Judiciário. E o caminho foi tentar desacreditar e acuar o Supremo Tribunal e o Tribunal Superior Eleitoral. Não fosse a reação pronta, corajosa e independente do Judiciário, estaríamos no meio de uma Ditadura militar.

Hoje, com a proximidade da abertura do processo penal por crimes gravíssimos, como tentativa de golpe de Estado, contra Bolsonaro e alguns assessores graúdos – inclusive generais -, a reação dos acusados e da família do ex-presidente perdeu qualquer lógica racional de enfrentamento da realidade. O filho, que quando estava no poder alardeava que para fechar o Supremo bastava “um cabo e um soldado”, amedrontado, fugiu do país e pediu abrigo nos EUA.  Reconheceu, em entrevista à Folha de São Paulo, que “esteve com integrantes da Casa Branca vendo a possibilidade de sanção ao Alexandre de Moraes”. Ele é um deputado federal e assume que está articulando contra o Supremo Tribunal brasileiro em território estrangeiro! Medroso, chora compulsivamente em público e resolve deixar o mandato para pedir proteção aos amigos norte-americanos. Um crime confessado e um vexame inconfessável.

Bolsonaro, por sua vez, depois de fazer uma manifestação pífia pela anistia no Rio de Janeiro – planejou 1 milhão de manifestantes e foram 18 mil -, levou 4 governadores e outros asseclas para ofender criminosamente o STF. Claramente, ele desistiu da sua defesa técnica e voltou à estratégia de agredir e afrontar a Corte, faltando poucos dias do julgamento pela Primeira Turma do recebimento da denúncia. Um acinte. Uma afronta.

Parece que, efetivamente, a estratégia é de forçar uma prisão preventiva para tentar radicalizar e talvez mudar o clima amplamente desfavorável. Uma insanidade. Depois, para coroar os desatinos, o Bolsonaro, vendo o filho se humilhar nos EUA para tentar a proteção do Trump, resolve apoiar a campanha de pedir ajuda para uma intervenção externa! Isso partindo de um ex-presidente é de uma gravidade ímpar. Tem a audácia de dizer, expressamente, que o Brasil não terá “paz, tranquilidade e Democracia interna sem a ajuda de fora.”

É constrangedor ver um grupo entreguista suplicar, vergonhosamente, por uma intervenção americana no Brasil. Tudo isso justifica uma outra investigação. A prisão desse bando não pode ser um sinal de que outros crimes gravíssimos não serão apurados.

Remeto-me ao grande Miguel Torga, em Penas do Purgatório:

“Guarde a sua desgraça

Oh desgraçado.

Viva já sepultado

Noite e dia.

Sofra sem dizer nada,

Uma boa agonia

Deve ser lenta, lúgubre e calada.”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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