BAHIA E A REPARAÇÃO DE MARIANA: É TARDE, MAS AINDA É TEMPO.

“A Bahia já me deu régua e compasso.”

Gilberto Gil na Canção Aquele Abraço

Um dos dias mais felizes da minha vida foi quando recebi o título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro. Todo mineiro tem paixão pelo Rio de Janeiro. Talvez pela ausência do mar, que nem mesmo a força das montanhas que nos acolhem consegue superar. Lembro-me que, da tribuna, ao discursar no Plenário que era a casa da Marielle Franco, fiz uma homenagem à cidade e ao estado que me recebiam: disse que saía das montanhas de Minas, nos braços dos rios mineiros, para desaguar no mar.

De certa maneira, sinto que quase todos brasileiros têm uma paixão pela Bahia. Há anos, fui agraciado pelo título de Cidadão de Eunápolis, uma cidade ao lado de Trancoso. Acabei adotando a Bahia como minha terra e, ao ter casa em Trancoso, passei a me achar no direito de palpitar sobre as terras baianas. Não como os paulistas fazem, com ares de colonizadores, mas com o olhar do apaixonado por tudo que diz respeito à Bahia. Até por isso, sinto-me legitimado para falar, e até cobrar, direitos em nome do povo baiano e do estado da Bahia.

Na semana passada, ingressei, como amicus curiae por duas comunidades quilombolas, em uma ação no Supremo Tribunal que tem como pano de fundo a fúria das mineradoras Vale e BHP. Elas insistem em alijar das discussões a necessidade imperiosa de uma indenização razoavelmente justa para todos os 600 mil atingidos – incluindo povos originários, quilombolas e ribeirinhos -, bem como os 46 municípios que foram brutalmente atingidos pela irresponsabilidade criminosa na tragédia de Mariana. A BHP, empresa anglo-australiana, pagou 6 milhões de reais ao IBRAM para que este ingressasse com a tal ADPF, no intuito de questionar a legitimidade dos municípios brasileiros para se fazerem representar em Londres, onde defendemos os direitos dos atingidos pela desgraça. A ofensiva da mineradora inglesa demonstra ousadia e a crença absoluta de que o poder econômico pode tudo, inclusive tentar indevidamente instrumentalizar o Judiciário brasileiro.

Paralelamente à nossa ação em Londres, foi promovida no Brasil uma tentativa de negociar, em um TTAC – Termo de Transação e Ajustamento de Conduta -, os direitos alusivos a uma indenização, mas não chamaram para participar justamente os maiores interessados: as vítimas. Pessoas físicas que foram tragadas pela lama com morte, perdas das casas, terras, tudo. Destruição dos rios, das águas, das matas, em que pescavam, criavam, em que viviam. Destruição de toda a vida que viviam e conheciam desde tempos imemoriais. Nem, tampouco, os 46 municípios envolvidos. Sentaram-se à mesa as 3 mineradoras – Vale, BHP e Samarco -, convenientemente, a União e os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. O acordo, que se anuncia para breve, não teve como participante à mesa de negociação os principais envolvidos. Isso, em qualquer governo, seria inadmissível; mas, em uma gestão popular, é incompreensível e triste. Por isso escrevi, na semana passada, neste mesmo espaço, o artigo “Naquela mesa estão faltando eles”.

O que me deixa mais perplexo é a ausência do governo da Bahia na mesa de negociação. E fiquei indignado com a resposta de uma autoridade federal ao responder o motivo: “é porque é uma mesa de negociação, se fosse uma rede…”. Tal galhofa não respeita a pujança do estado da Bahia e do seu povo trabalhador. Lealmente, já expliquei às autoridades baianas que a legitimidade do estado de estar na mesa de negociação é evidente. Tanto que 5 municípios baianos estão lutando pelos seus direitos nas ações da Inglaterra e da Holanda. Da mesma maneira, é público o estudo desenvolvido pela UFRJ que demonstra os danos irreparáveis causados pela lama no Parque Nacional dos Abrolhos, na Bahia. Falta determinação política e o povo baiano há de cobrar essa ausência. Com a palavra, as autoridades baianas.

Como cantou o grande Caetano, na canção Gente:

“Gente quer comer, gente quer ser feliz

Gente quer respirar ar pelo nariz

Não, meu nego, não traia nunca essa força

Gente é pra brilhar

Não pra morrer de fome.”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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