CORAGEM SILENCIOSA

O vento experimenta o que irá fazer com sua liberdade…

João Guimarães Rosa, Haikai Turbulência

 

A vitória do Lula resgata a esperança em dias com a expectativa de uma vida civilizada e com princípios humanitários. Durante 4 anos, o fascismo e a barbárie inocularam na sociedade brasileira tudo de tóxico e nocivo que nunca se imaginou possível. Foi a afirmação do obscurantismo e de uma era na qual o individualismo e a mediocridade imperaram. Os brasileiros se dividiram. A ultradireita – raivosa e violenta – se sentiu livre para cultuar o ódio, para assumir o preconceito, para destilar o veneno da indiferença com a dor do outro e para pregar a vulgaridade como norma de conduta. Um horror. Um caos. Um desastre. As ruas foram tomadas por cães enfurecidos que tinham pavor de qualquer ato humanitário. As mentiras mais teratológicas se confundiam com pessoas armadas. Armas reais, fuzis, granadas e pistolas. Um mundo escatológico e desprezível.

 

Mas, mesmo com toda essa violência brutal, sustentada pelo maior assalto aos cofres públicos da história, com um derramamento colossal de dinheiro para comprar a reeleição; mesmo com a força bruta inibindo o surgimento de propostas contrárias à barbárie; mesmo com o medo querendo sufocar qualquer hipótese de resistência, o que vimos foi uma coragem silenciosa dominar, aos poucos, os corações e as ruas. A preocupação com a agressividade dessa turba ensandecida cedeu lugar a uma necessidade de fazer o contraponto. Até nossas cores os fascistas usurparam. O verde e amarelo passaram a ser as cores da vulgaridade e da arrogância que se arrota pela falta absoluta de qualquer hipótese de diálogo.

 

Porém, é incrível a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer. Aos poucos, nossas ruas passaram a ser nossas de novo. Fomos nos posicionando para não permitir o massacre dos nossos sonhos. E enquanto o nosso Nordeste se afirmava na eloquência de respeitar os valores humanitários, um movimento bolsonarista assumia mais e mais o racismo e o preconceito. Nessa hora, a nossa elite – podre e patética – esqueceu-se de que o voto daquele que ela despreza e que sobe pelo elevador de serviço vale rigorosamente a mesma coisa numa democracia.

 

E foi bonito ver o Brasil majoritariamente se afirmar pelos direitos humanos, emocionante ver o povo chorar pelo retorno do Lula. E, para nós, que derrotamos os ridículos Moros e Deltans na Lava Jato, foi muito reconfortante ver o ex-Presidente nos representar e levar o Brasil de volta ao lugar de destaque na área internacional. Esse Lula, tão perseguido e injustiçado, voltou sem ódio, sem rancor e nos braços do povo para a Presidência da República. E, com a sabedoria que a vida lhe deu, soube dizer aos brasileiros que todos os que quiserem voltarão a ocupar nossas ruas, nossos campos, nossas cores e o nosso Brasil, enfim.

 

Embora esta não seja uma meta do governo Lula, nós, brasileiros que temos compromisso com o país, vamos acompanhar o desenrolar de todas as investigações sobre os desmandos bolsonaristas. Claro, eles terão respeitados todos os direitos à ampla defesa, à presunção de inocência e ao devido processo legal. Mas fazendo valer toda a força que o Estado tem que ter contra os milicianos e os que vivem à margem da lei.

 

Agora é hora de saudar a vitória da democracia, do império da Constituição, que assegura os direitos fundamentais. Da nossa resistência humanista e desarmada, mas firme e corajosa contra a violência armada e ensandecida. É hora de consolidar nossa conquista e avançar, levar esses covardes às cordas. Ganhamos por pontos e agora vamos lutar pelo nocaute.

 

O fascismo vai ser cada vez mais derrotado e nós voltaremos a viver em um Brasil onde é possível cultivar o respeito, o amor e a solidariedade. Esse é o país que ressurgiu das urnas no dia 30. Sem medo de ser feliz!

 

Lembrando-nos de Mário Quintana, “Sonhar é acordar-se para dentro.

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, kakay

Publicado no O Dia.

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