MANDE ESTA TRISTEZA EMBORA
“O homem é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.”
Pablo Neruda
Se o Brasil não tivesse melhorado muito todos os indicativos neste ano de 2023, ainda assim o ambiente democrático mudou, substancialmente, os rumos do país. O governo antidemocrático anterior apostava todas as fichas no ódio e na separação entre os brasileiros. Tudo era cuidadosamente pensado e planejado. O investimento na mentira, na desinformação e na divisão das pessoas era uma estratégia de governo. Quanto mais ignorantes, mais fácil tangê-las como gado. E quanto menos politizado for o eleitor, melhor para a perpetuação de um sistema fascista, onde a desinformação e as fake news são instrumentos de dominação.
Nada é por acaso. Durante o governo de transição, foi possível constatar o estrago produzido durante os 4 anos do caos bolsonarista. Em todas as áreas: saúde, educação, ciência, economia, cultura. Uma política de terra arrasada. No âmbito internacional, o Brasil virou um pária; foi desmoralizado e ridicularizado. O Bolsonaro é a imagem exata do governo que fez. Ele é a própria mentira. Raso e tosco. Cada gesto dele para mostrar simplicidade era meticulosamente ensaiado; desde o farelo de pão nas roupas, até o linguajar chulo, para se passar como alguém do povo. E deu certo. Dividiu o país, apostando na cegueira coletiva e na despolitização. Como bem disse o eterno José Saramago: “Temos a obrigação de não permitir que nos ceguem, pois se nos cegarem, comportar-nos-emos ainda mais do que agora como membros de um rebanho, um rebanho que avança para o suicídio.”
Em conversa recente com o experiente ex-Presidente Sarney, ele me disse que conversou com o Presidente Lula, no início do governo, sobre a importância de o Brasil voltar a ter o respeito internacional. E o Lula, como ninguém, sabe como fazer. Foi um ano de reconstrução. Não somente das estruturas que estavam abaladas pela barbárie, pois o país foi saqueado, mas também da imagem e até da autoestima de um povo. O país andava pelas tabelas, cabisbaixo e desacreditado. Quem anda muito pelo mundo sabe exatamente o que significa ter o respeito internacional.
Tão importante quanto esse resgate é a hipótese de voltarmos a viver num país sem ódio, sem separação violenta entre as pessoas. É claro que o Brasil sempre foi dividido pela enorme desigualdade social. Um fosso abissal separa uma pequena parcela dos favorecidos da imensa maioria que vive como invisíveis. O governo Bolsonaro aprofundou as diferenças e, além disso, apostou na discórdia e na violência. Até a política de armar o cidadão, além do claro interesse econômico na indústria armamentista, tinham também o conteúdo ideológico de brutalizar as pessoas, inoculando o ódio.
Dentro dessa estratégia de poder está, claramente, uma aposta calculada para afastar as pessoas de qualquer rasgo de humanismo. Por isso, é que fazia parte do ideário bolsonarista fazer apologia à tortura, desprezar os negros, ridicularizar os deficientes físicos, afrontar as mulheres. Enfim, toda uma construção de uma sociedade dividida. Nada era por acaso. Um povo com ódio, que tem orgulho de ser inculto, que fecha bibliotecas, que abomina a cultura e a arte, que prefere clube de tiro a livraria é um povo muito mais fácil de ser tangido. O processo de idiotização da população leva os incautos a quererem ser governados pela violência e a buscarem a falsa segurança das milícias e das forças armadas. Abominam o debate e apostam na platitude da ignorância.
Desse modo, a importância deste primeiro ano de governo em priorizar a arrumação da casa e mostrar ao mundo que o Brasil voltou a ter um rumo, sobrepondo a igualdade e a justiça social. Em 2014, o governo petista tirou o país do Mapa da Fome da ONU. Tragicamente, voltamos a enfrentar 33 milhões de brasileiros com fome e mais de 100 milhões em condições de insegurança alimentar. Para nossa vergonha, 360 mil brasileiros estão em situação de rua. O projeto bolsonarista de quebrar o país e dividir seu povo foi vitorioso. Não fosse o quase milagre da vitória da democracia nas urnas nas últimas eleições, o Brasil não resistiria a mais um governo despótico e entreguista.
No dia da diplomação, tive o prazer de receber o Presidente Lula na minha casa. Ali, ele confidenciou que só foi candidato porque sabia que era o único com chance de vencer o fascista. E vencemos. Agora é hora de reconstruir o país, partindo do pressuposto de que só teremos chance de sepultar a sombra do obscurantismo, se devolvermos o poder para a sociedade. Valorizando a política, apostando no diálogo, exterminando o ódio, enfrentando o preconceito, priorizando a segurança pública.
A melhor imagem deste ano de 2023 foi o Presidente Lula subindo a rampa no dia 1º de janeiro, ao lado de diversos representantes dos excluídos sociais. Naquele momento, o país tomou posse de si mesmo. É hora de devolver o poder ao povo, com o fortalecimento dos compromissos democráticos e libertários. Quando vi, de dentro do Palácio do Planalto, essa cena da subida da rampa, tive a sensação de que o Brasil inteiro estava voltando a acreditar que a esperança venceu o medo e a civilização derrotou a barbárie. A hora é esta!
Lembrando Octavio Paz: “Sem liberdade, a democracia é um despotismo, sem democracia a liberdade é uma quimera.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
Artigo publicado no Poder 360 no dia 29 de dezembro de 2023.