MUDEZ DA IGNORÂNCIA

 

 

Vigio demônios imensos para proteger a paz do nosso bairro íntimo.

São tantas as nuvens que tenho que mover o mundo para estar sol quando vieres.

Colho todas as dores que vagueiam pelo espaço para que me deixem dormir no seu regaço.

Boaventura Sousa Santos, poema Os Demônios.

 

 

Triste a sociedade que desiste dela própria. Tende a se transformar em um agrupamento reprodutor de ideias rasas sem nenhuma discussão existencial, sem luz e sem vida inteligente. Nossa época é de uma mediocridade intensa. Fica sempre a sensação de que o idiota se esmera em ser idiota para poder se sentir prestigiado no grupo em que vive. As pessoas não têm vergonha, jactam-se de conviver com cultores da tortura, com o racismo, com a misoginia e com a violência. Mais do que a simples convivência, que já deveria ser insuportável, o que se nota é um apoio explícito ao comportamento bárbaro. A mesquinhez, o egoísmo e a indiferença são a marca dessa sociedade.

 

Num mundo no qual a brutalidade é banalizada, fica cada vez mais difícil se indignar coletivamente. E aquele que tem um sentimento do mundo lastreado na solidariedade fica gradativamente mais sem espaço. É o tempo das mesmices, dos textos de 144 caracteres e da confusão da guerra real com jogos de entretenimento.

 

A denúncia dos horrores do sistema penitenciário, com os presos vivendo em situação que não se admite mais nem para os animais, não sensibiliza quase ninguém. O contexto degradante dos invisíveis sociais deveria causar uma revolta nacional. A poucos quilômetros das nossas casas, existem presídios que promovem a tortura e que expõem os presidiários a uma condição vexatória e desumana todos os dias.

 

Parece que estamos todos anestesiados. No Parlamento, o nível das discussões choca e um desânimo nos angustia. Há uma permanente sensação de vergonha alheia e um aperto no peito por ver os representantes do povo desfilarem um show de horrores. Parece que ligamos o canal errado e que alguma coisa está fora da órbita. E o não debate é a tônica da condução do Executivo pelo Presidente da República.

 

Um Presidente que tem como única virtude conseguir ficar calado. Será que não nos apercebemos o quão grave é essa estratégia? Os donos do poder, para se perpetuarem, assumem que a tática é não permitir que o Presidente da República fale, exponha o que pensa, participe de debate e se posicione sobre as questões nacionais. É inacreditável a desfaçatez!

 

Como anuncia T. S. Eliot, no poema Homens ocos:

 

Entre ideia

E realidade

Entre impulso

E ato

Cai a sombra.

 

Entre concepção

E criação

Entre emoção

E reação

Cai a sombra.

É assim que o mundo acaba

É assim que o mundo acaba

É assim que o mundo acaba

Sem estrondo,

Num gemido.

 

Ou seja, esse grupo assume que a democracia não vale nada. É a política do engodo, da falsidade e da mentira. Pouco importa qual o valor que tem, ou deveria ter, numa sociedade civilizada, o que realmente pensa o líder da nação. Ao contrário, sabedores de que se ocorrer o debate de ideias o que virá desse grupo é o que existe de mais putrefato, o esgoto, todo o esforço é para não expor os pensamentos.

 

São graves as estratégias deliberadas de não discussão de ideias, de não exposição de programas e de uso indiscriminado de verbas públicas sem controle.  E o fato, aterrorizante, é que uma parte considerável da população está ávida para ouvir o show de horrores que vem, inapelavelmente, quando o Presidente e sua entourage não conseguem ser contidos. É o pior dos mundos.

 

Parece existir uma grande contradição. Por um lado, o grupo do centrão que conduz o governo cuida de manter o Presidente fora de qualquer decisão e de qualquer debate. Sabe que cada fala dele faz tremer os que ainda apresentam uma réstia de lucidez. Mas, por outro lado, e isso é o pior dos mundos, quando o Presidente vomita suas sandices, há um grupo enorme, perto de 25% da população, que escuta, ávido, aquilo que não é, muitas vezes, sequer possível de classificar.

 

Por isso é necessário todo o nosso empenho numa ampla discussão nacional. É preciso debater e conhecer o Brasil. Se for para perder o país, que seja uma perda na qual a maioria escolheu conscientemente o caos. E a discussão possível seja sobre o que é civilização e o que é barbárie. E que Deus tenha misericórdia de nós.

 

Remeto-me a Pessoa, no Livro do Desassossego: “Nenhum problema tem solução. Nenhum de nós desata o nó górdio; todos nós ou desistimos ou o cortamos.”.

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

 

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