O DIA QUE A CONSTITUIÇÃO VENCEU O GOLPE

“Salvando o homem chegaremos ao povo, este é o caminho.

Não aceitemos traições ao homem em nome do povo

do povo traído.

Pregaremos o governo do homem pelo homem e para o homem.

Não haverá povos felizes enquanto houver homens infelizes.

Aos Senhores dos Governos, lhes dizemos: basta! Desçamos das generalidades para o homem.”

  1. G. de Araújo Jorge, poema O Homem

 

É significativo ver o Supremo começar a julgar os golpistas de 8 de janeiro. Em apenas oito meses, o Tribunal determinou a prisão de mais de mil vândalos, instruiu um processo complexo e, com todo o simbolismo que isso carrega, vai julgar os terroristas no Plenário que foi invadido, depredado e conspurcado por eles. Como que a reafirmar o Estado democrático de direito que a Corte assegurou ao dizer não ao golpe de Estado e à investida criminosa de instaurar a Ditadura no país.

 

É um julgamento histórico e que produz algo raro: a derrota de uma tentativa de ruptura institucional pela força do Judiciário, e não pela repressão armada do outro lado. Em regra, diz a história, os golpes só são contidos com o uso da força, geralmente armada, e com rios de sangue e dor. O dia da infâmia foi debelado com a força do Judiciário e tendo como arma a Constituição da República.

 

É claro que o fato de ter sido uma tentativa de golpe contra um governo democrático e popular fez com que o Judiciário tivesse uma razão muito maior na contenção aos golpistas. A reação imediata e pronta do governo Lula foi decisiva para deixar claro que eles não passariam. A presença do próprio Presidente da República dentro do Plenário destruído, ainda na noite de 8 de janeiro, e a descida da rampa do Palácio do Planalto rumo à sede do Supremo Tribunal, no dia seguinte, quando Lula se fez acompanhar da Presidenta da Corte, de vários ministros do Supremo e do Executivo, de todos os governadores de Estado e de vários parlamentares, deixou claro que a ordem constitucional seria mantida a qualquer custo.

 

Para o mundo jurídico, reveste-se de grande importância o julgamento ser presidido pela ministra Rosa Weber, que se aposenta no final deste mês e que se empenhou para recuperar a sede da Corte que foi covardemente depredada. No dia 1º de fevereiro, na abertura do ano Judiciário, ela afirmou que os ataques foram promovidos por uma “turba insana movida pelo ódio e pela irracionalidade”, mas frisou que “não destruíram o espírito da democracia”. E ressaltou que “o ataque criminoso e covarde que vilipendiou as instituições da República e os símbolos do Estado Democrático de Direito confere maior intensidade ao convívio harmonioso entre os Poderes”.

 

E foi isso que se viu após a tentativa de ruptura institucional. Um Executivo que saiu mais forte e representativo e um Congresso, que estava em parte cooptado pelo estilo autoritário do governo derrotado, posicionando-se pelo fortalecimento da Democracia. O Judiciário, como já afirmado, foi o timoneiro no enfrentamento da barbárie. Por isso, a frase do grande poeta Carlos Drummond de Andrade, que encerrou o discurso de Rosa Weber, foi muito oportuna: “O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

 

É importante que a sociedade acompanhe, com bastante cuidado e atenção, os julgamentos que irão responsabilizar os golpistas. Até porque o ministro relator, Alexandre de Moraes, deixou claro, no início da primeira sessão, que a investigação continua. Sem nenhuma dúvida, é de fundamental importância que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal possam esclarecer, para responsabilizar criminalmente, os parlamentares que estavam por trás do golpe. Além do núcleo político, que já está sendo investigado, é absolutamente necessário que os grandes financiadores e os militares – mesmo os de alto coturno – também possam ser levados às barras do Supremo Tribunal Federal.

 

Embora seja bom repetir, à exaustão, que é certo que devemos dar a esses acusados todos os direitos fundamentais, é imperioso que todos sejam responsabilizados pelos seus atos. Tenho a mais clara expectativa que, ao fim e ao cabo, toda essa apuração levará, inexoravelmente, à responsabilidade do ex-Presidente da República e do seu grupo mais íntimo. Com a certeza de que os direitos constitucionais serão amplamente assegurados a todos. Afinal, não se trata de vingança ou retaliação, é apenas sobre justiça.

 

Sempre nos lembrando de Torquato Neto, no Poema do Aviso Final:

 

É preciso que haja alguma coisa

alimentando o meu povo;

uma vontade

uma certeza

uma qualquer esperança.

 

É preciso que alguma coisa atraia

 

a vida

 

ou tudo será posto de lado

e na procura da vida

a morte virá na frente

e abrirá caminhos.

 

É preciso que haja algum respeito,

ao menos um esboço

ou a dignidade humana se afirmará

a machadadas.”

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

 

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