O ESPANTALHO ERA O CORVO

Uma ave (ou fera, pouco importa), empoleirada em sua porta. E que se chame “Nunca mais”.

Edgar Poe, O Corvo

 

Sou do interior de Minas e sempre fui da roça. Nas plantações de milho, que, quando menino, eu gostava de contemplar, aquele palhaço – fantoche, boneco de pano – feito para afugentar os corvos sempre me encantou. Olhando de longe, movimentado pelo vento, dava uma sensação de ser bailarino, artista ou ator. Bailava ao vento e cumpria um papel: era a segurança da colheita na lavoura. Os pássaros, mesmo famintos, fugiam dele. Nunca me ocorreu indagar se fugiam de medo ou por respeito.

 

Mas eu me recordo que não eram fáceis de colocar em pé aqueles fantoches. Tinha um cerimonial: um pau que os sustentava numa altura razoável, uma cartola que chamasse atenção e uma roupa um pouco espalhafatosa. Porém, o mais difícil era manter o “conteúdo” aprumado e balançando ao vento. Se o espantalho não fosse preenchido com um material firme, ele não conseguia ficar ereto para cumprir o seu papel de afugentar as aves daninhas. E, para isso, não bastava ter a madeira que o sustentava, nem as roupas vistosas e nem a cartola de artista; era necessário ter um estofo que desse segurança para que ele pudesse enfrentar o vento.

 

A vida passa, os espantalhos e os fantoches se multiplicam e se proliferam tentando ocupar outros espaços.

 

Quando a Operação Lava Jato começou, percebi, ainda em 2014, que o magistrado responsável era um fantoche; por isso, cuidei de correr o país apontando a fragilidade dele e do grupo que ele coordenava. Guiado por um juiz, um bando de procuradores atuava com o objetivo de instrumentalizar o Poder Judiciário e o Ministério Público na busca insana, imoral e desmedida de um projeto de poder. Mesmo com toda a imprensa incensando-o como herói nacional, o meu olhar vislumbrava apenas um espantalho sem estofo e sem sustentação própria. Um fantasma.

 

Acostumado a ver as roças no interior e a admirar o poder dos espantalhos afastando os corvos e os predadores, eu notava que esse fantoche de juiz era, ao contrário, um ímã para os que queriam se locupletar.

 

Mas ele – descobri, perplexo – era o próprio corvo, a ave daninha, o predador. O chefe de um bando que tentava, sem limites, usufruir de todas as benesses. O poder pelo poder. Com apoio da grande mídia e sem maiores voos intelectuais, acreditou ter tudo.

 

Sonhou com o Supremo Tribunal Federal; vendeu-se para ser Ministro da Justiça; apresentou-se como salvador da pátria – primeiro como Presidente da República, depois Senador, mas servia também Deputado. Agora, desnudado como um reles usurpador da competência eleitoral, foi proibido de ser candidato a qualquer cargo no Estado de São Paulo por fraude no domicílio eleitoral. Triste fim para um indigente intelectual e moral.

 

Olhando de longe esse cidadão que foi condenado pelo STF como um juiz parcial, incompetente, que corrompeu o sistema de justiça e ludibriou o povo brasileiro, vejo com clareza quem ele é: um espantalho sem estofo para se sustentar. Que usa a falsa imagem de boneco de pano para atrair, e não para afugentar, os corvos, as aves daninhas e os predadores. Seus comparsas e cúmplices na rapina que planejavam. Que baila ao vento sem rumo e sem limites. E que, muito antes de ser qualquer coisa, é um fantoche sem vida, sem alma e sem caráter. Não merece sequer bailar ao sabor dos ventos. Deveria voltar ao esgoto de onde surgiu.

 

Lembro-me do poeta Cândido Portinari, no poema Espantalho: “Faltam-me as pernas.

Tenho um braço e meus olhos são fracos. O coração palpitando. Sempre.

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Publicado no portal O Dia

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