PRIMEIRO TURNO JÁ

A vida não é o que deveria ter sido e sim o que foi. Cada um de nós é a sua própria história real e imaginária.”

Ferreira Gullar

 

É assustadora a instabilidade que o governo Bolsonaro implantou no país. Em todas as áreas. Ao desmantelar a saúde, a educação, a segurança e a cultura, esse governo fez o Brasil recuar décadas na escala civilizatória. Mesmo se derrotarmos o bolsonarismo nas próximas eleições, teremos um longo percurso para voltarmos a um patamar digno. E sabemos todos que, num sistema presidencialista, a reeleição é a regra, mesmo com um Presidente que não parece sequer compreender a importância e a relevância do cargo. Um completo inepto.

 

De todas as instabilidades que representam a tônica do governo, a institucional é a que mais preocupa em um ano eleitoral. Desde o início do exercício do seu mandato, o próprio Bolsonaro, por diversas vezes, cuidou de esticar a corda nas relações com os Poderes, numa tentativa clara e evidente de impor um projeto de ruptura.

 

Ele próprio, de maneira irresponsável e perigosa, provocou o Poder Judiciário com ameaças veladas ou explícitas no sentido de fechar o Supremo Tribunal, de aumentar o número de Ministros para ter maioria, de não obedecer às ordens emanadas daquele Tribunal, de não acatar as decisões da Corte Eleitoral e de desclassificar o processo de votação questionando a sua legitimidade. Sem contar os ataques pessoais aos Ministros usando, inclusive, xingamentos e palavras de baixo calão. Um show de horror!

 

Foi necessário que os Ministros do STF e do TSE reagissem com dignidade e firmeza para impedir que a crise chegasse a um ponto insustentável. Até mesmo uma notitia criminis, assinada por todos os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral, foi apresentada ao Supremo contra o Presidente da República. É um fato de gravidade ímpar, mas foi essencial para conter o ímpeto golpista do chefe do Executivo.

 

O mesmo tratamento desrespeitoso e indigno foi dispensado ao Poder Legislativo pelo Presidente Bolsonaro. Um completo acinte ao princípio básico da harmonia necessária entre os Poderes para existir uma democracia saudável e segura. O país vive, desde o início desse governo, um período de sobressaltos e de instabilidade. Por isso, mais do que nunca, é preciso resistir. Apoiando-nos em Clarice Lispector, “Perdi muito tempo até aprender que não se guarda as palavras. Ou você as fala, as escreve, ou elas te sufocam.

 

Bolsonaro tentou quebrar a ordem constitucional de diversas maneiras. Uma delas foi a subleitura criminosa e vulgar do artigo 142 da Carta Magna, na tentativa de emplacar a ideia de que as Forças Armadas seriam uma espécie de tutor da nação. O que pretendia o Presidente era emplacar um “golpe constitucional”. Ora, todo golpe é contra a Constituição e visa instalar o arbítrio e a força. Só não seguiu adiante por não ter o respeito junto à cúpula das Forças Armadas. Tivesse o Presidente força para tal, hoje estaríamos sob o jugo de uma ditadura.

 

E são vários os movimentos que buscam criar um ambiente propício para a ruptura institucional. Um deles é a onda armamentista, responsável por fazer um grande grupo de civis ser detentor de armas, muitas de grosso calibre. Hoje, temos quase 1 milhão e meio de armas nas mãos da população, sem nenhum preparo específico. Isso representa um contingente maior do que possuem os integrantes das forças de segurança do país. Um claro risco para a estabilidade democrática.

 

E nesse caos, com o Brasil à deriva e completamente desfigurado e sem respeito na comunidade internacional, vimos aproximar as eleições para Presidência da República. Será a votação mais importante da história da nossa curta democracia.

 

Em um país que voltou ao mapa da fome da ONU, do qual havíamos saído em 2012, com 20 milhões de pessoas passando fome diariamente e 116 milhões de brasileiros em estado de insegurança alimentar – aqueles que não têm certeza do que comerão ao longo do dia – e com um índice humilhante de desemprego, enfrentamos uma tempestade diabólica antes de depositarmos nossa esperança de mudança no voto.

 

Remetendo-nos a Sophia de Mello Breyner, no poema Liberdade:

 

Aqui nesta praia onde

Não há nenhum vestígio de impureza,

Aqui onde há somente

Ondas tombando ininterruptamente,

Puro espaço e lúcida unidade,

Aqui o tempo apaixonadamente

Encontra a própria liberdade.

 

Em meio a todo esse caldo de cultura, criamos o Movimento pelo Brasil, como já tivemos oportunidade de comentar. A intenção é de que todos os democratas se unam no primeiro turno das eleições para eleger Lula e afastar, pelo voto, o fascismo e a barbárie.

 

E volto ao assunto por uma preocupação específica: a manutenção da segurança institucional no período entre o primeiro e o segundo turno, se houver. Todas as investidas de ruptura ao longo do governo estarão de volta no curto período de 2 a 30 de outubro, certamente de maneira mais agressiva.

 

Não há dúvida de que o bando que governa o país vai recrudescer na tentativa de manter os privilégios e continuar o saque a que estamos sendo submetidos. A violência física vai passar a ser a forma de manifestação oficial do governo, que já submete boa parte da população – os negros, as mulheres, os pobres e os invisíveis – a uma humilhação permanente.

 

É hora de dar uma esperança à nação, de buscar resgatar uma alegria perdida e uma expectativa que faça o cidadão acreditar que é possível ser feliz de novo. O embrutecimento fascista fez do Brasil um país sem cor, sem alegria e sem charme. Éramos vistos como o país do futuro; hoje, somos um retrato opaco na parede. Perdemos o rumo. Ninguém suporta mais o permanente estado de tensão e as atrocidades feitas em nome do governo.

 

É hora de enfrentar a inacreditável horda de fantoches e fantasmas que estão saindo do armário e assumindo a barbárie como projeto. Ou seremos magnânimos, para superar as diferenças partidárias e nos unirmos contra esse projeto fascista de destruição nacional, ou seremos todos responsáveis pelo destino que se anuncia e se apresenta demolidor.

 

A causa da democracia e da estabilidade institucional impõe a todos a responsabilidade de sentarmos à mesma mesa. Antes que seja tarde, nós nos lembraremos do grande Mário Quintana: “O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente…

 

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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