SEMPRE INACABADA: A DEMOCRACIA CONTINUARÁ UMA FANTASIA SE NÃO FOREM PUNIDOS OS MENTORES DO DIA DA INFÂMIA

“Sem liberdade a democracia é um despotismo, sem democracia a liberdade é uma quimera”

Octávio Paz

 

No dia 8 de janeiro de 2023, estava em Trancoso. Falei, porém, diversas vezes, assim que soube da tentativa de golpe, com vários ministros e autoridades que tentavam entender a dimensão do que ocorria. Com o ministro Flávio Dino conversei sobre tudo que acontecia e fizemos algumas análises sobre a necessidade de implementar a GLO ou se seria o caso de intervenção no Distrito Federal ou somente na Segurança Pública.

Foi um dia tenso, pois não sabíamos, exatamente, a estrutura que havia sido montada para tentar a abolição do Estado Democrático de Direito. O próprio presidente Lula, em visita oficial à cidade de Araraquara, ainda não tinha informações precisas para definir o rumo que deveria ser tomado, a fim de garantir a estabilidade democrática. A discussão mais séria era se deveria ou não ser assinado um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Para muitos, essa seria a solução ideal, dada a gravidade do que ocorria.

A história fará justiça à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, categórica ao defender que a GLO seria oportunizar a entrega dos poderes aos militares. E o presidente Lula tomou a decisão correta, como estadista que é, ao não optar por um caminho que propiciaria aos golpistas a chance de pressionar as Forças Armadas para assumir o poder. Nós, que víamos nisso uma porta aberta para o golpismo, comemoramos a determinação de preservar o poder conquistado legitimamente nas urnas.

No dia 9, pela manhã, o governador Ibaneis Rocha foi afastado do cargo. Foi um afastamento revestido de muita apreensão, pois havia quem sustentasse a necessidade da sua prisão. Era impossível falar com ele durante aquele momento grave. Eu mesmo tentei algumas vezes. A dúvida que existia entre quem estava decidindo o que deveria ser feito, quais atitudes e quais medidas seriam tomadas, era se o governador do Distrito Federal havia sido omisso ou se era um protagonista do golpe em curso. Daí a discussão sobre a necessidade da prisão ou afastamento do cargo.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, muito ligado à vice-governadora, Celina Leão, teve um papel fundamental para ajudar na opção de afastar Ibaneis do cargo e não o prender. Eram 3 horas da madrugada daquele dia, quando Celina foi chamada à residência oficial da Câmara. Eu opinei, com vigor, que a prisão era uma medida drástica, pois não havíamos conseguido ouvi-lo e, na verdade, não havia ainda um quadro definido. O afastamento por 90 dias, também extremado, foi determinado pelo ministro Alexandre de Moraes naquela madrugada. Apenas em 15 de março, o Supremo determinou o retorno de Ibaneis ao cargo.

Tínhamos, entre outros, um grande problema: era necessário colocar um Secretário de Segurança de absoluta confiança. Alguém em quem o ministro Flávio Dino, representando o governo, pudesse confiar e, também, a governadora em exercício. Falei várias vezes com ambos e, a pedido deles, indiquei o delegado de Polícia Federal Sandro Avelar. Ele tinha sido Secretário de Segurança do governo do PT e também o número 2 da PF no governo Bolsonaro. Era respeitado pelos dois lados. E era da minha confiança.

Dino não o conhecia, mas topou na hora, ressaltando que, naquele momento, o cargo era fundamental para garantir a estabilidade. Liguei para Celina Leão, que gostou da indicação. Em

 

seguida, liguei para Avelar e fiz o convite. Ele aceitou e foi fundamental na transição da tentativa de golpe para a consolidação democrática.

São dados de um xadrez político que ainda está em jogo e que precisa ser acompanhado com atenção, pois disso depende a estabilidade institucional do País. Hoje, há um consenso entre os democratas de que a pronta atuação contra o golpe, coordenada pelo presidente Lula, pelo Poder Judiciário, por parte do Legislativo e pela sociedade civil, impediu que as densas nuvens do obscurantismo e da barbárie tirassem o ar democrático que nos faz respirar e viver. A prisão em flagrante de 1.397 golpistas, ainda no auge da tentativa de ocupar a sede dos Três Poderes, deu o tom do que seria a resposta aos atos de barbárie.

Passado, exatamente, um ano do “Dia da Infâmia”, o Ministério Público denunciou 1.413 bolsonaristas, sendo 1.156 incitadores, 248 executores, 8 agentes públicos e um financiador. O Supremo Tribunal condenou 30 deles a penas que variam entre 3 e 17 anos, além de multa.

Os números e os dados impressionam, mas evidenciam a urgente necessidade de a investigação desnudar a responsabilidade do andar de cima do golpe: os financiadores, os políticos, os militares e o grupo próximo do ex-presidente Bolsonaro. Seria uma desmoralização da resistência democrática se a responsabilização ficasse somente no andar de baixo. E um chamamento à hipótese de novos golpes por essa elite impune.

Estava em Paris quando recebi o convite para a sessão solene, no Salão Negro do Congresso, em homenagem à democracia. O nome era muito sugestivo: Democracia Inabalada. E era mais significativo que o chamado tenha sido feito em nome dos Três Poderes: o presidente da República, Lula, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso. A solenidade, repleta de significados, foi uma demonstração de força da estabilidade democrática. Os discursos foram todos na mesma linha: a investigação continua e serão responsabilizados todos os que, comprovadamente, tiveram participação nos atos golpistas, independentemente do cargo ou do posto que ocupavam. E, também, a necessidade de não deixar cair a responsabilidade apenas sobre aqueles que desempenharam o papel de aprendizes de terroristas. Continuaremos atentos para dar conteúdo ao título da sessão: Democracia Inabalada.

Em homenagem ao saudoso Ulysses Guimarães, quando promulgou a Constituição de 1988: “Traidor da Constituição é traidor da pátria… Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”.

 

Confira o artigo publicado na Carta Capital no dia 12 de janeiro.

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