Zé Pinho – Leia Devagar

“
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.”
Poema Ausência, de Sophia de Mello Breyner Andresen
Foi andando na livraria, sem pressa, folheando livros e olhando as engenhocas
espalhadas que me vi distraído, fixando o olhar em um sorriso que parecia ter vida
própria. Sorri de volta e a conversa fluiu, como acontece nas livrarias. Disse a ele que
uma amiga tinha me apresentado àquele lugar e que tinha ficado encantado com a
bicicleta branca, uma das máquinas poéticas criadas pelo artista Pietro Prosérpio,
pendurada no teto e que parecia voar. Eu tinha acabado de “conhecer” Sophia de Mello
Breyner e estava lendo o poema “Ausência”, que me veio à cabeça quando soube que
ele havia partido. De conversa em conversa, sentimos uma afinidade que fez com que
eu achasse que ele era mineiro e não português.
No terceiro ou quarto encontro, depois de dizer que havia adorado o nome “Ler
Devagar”, ele contou, meio acabrunhado, que era o dono da livraria. A livraria, hoje, fica
no lugar onde era a histórica Gráfica Mirandela, atual Lx Factory, e mantém várias obras
de arte e um pequeno bar. Além de um espaço cultural super charmoso chamado
Talante, do nosso artista Antônio Grassi. E logo me convidou para abrir com ele uma
livraria em Belo Horizonte, em um prédio de um conhecido cinema que estava fechando.
Fiquei encantado pela ideia e cheguei a viajar nesse sonho, que é de vários de nós, de
ter uma livraria. Liguei para um guru e ele me disse que, se eu quisesse perder dinheiro,
era uma maneira segura de investir. Lembrei–me do genial Mia Couto, “
Nenhuma
palavra alcança o mundo, eu sei. Ainda assim, escrevo”.
A partir daí, fui sentindo–me próximo do meu livreiro preferido, sem ter tanta intimidade,
e, sempre que ia a Lisboa, cuidava de procurá–lo. Uma prosa que encantava e era
emoldurada pelo sorriso poderoso. Aos poucos, fui sabendo da sua vida de agitador
cultural, da sua sólida formação humanista, da sua militância de esquerda, dos seus
milhares de amigos e, principalmente, do seu amor pelos livros.
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.”
Poema Ausência, de Sophia de Mello Breyner Andresen
Foi andando na livraria, sem pressa, folheando livros e olhando as engenhocas
espalhadas que me vi distraído, fixando o olhar em um sorriso que parecia ter vida
própria. Sorri de volta e a conversa fluiu, como acontece nas livrarias. Disse a ele que
uma amiga tinha me apresentado àquele lugar e que tinha ficado encantado com a
bicicleta branca, uma das máquinas poéticas criadas pelo artista Pietro Prosérpio,
pendurada no teto e que parecia voar. Eu tinha acabado de “conhecer” Sophia de Mello
Breyner e estava lendo o poema “Ausência”, que me veio à cabeça quando soube que
ele havia partido. De conversa em conversa, sentimos uma afinidade que fez com que
eu achasse que ele era mineiro e não português.
No terceiro ou quarto encontro, depois de dizer que havia adorado o nome “Ler
Devagar”, ele contou, meio acabrunhado, que era o dono da livraria. A livraria, hoje, fica
no lugar onde era a histórica Gráfica Mirandela, atual Lx Factory, e mantém várias obras
de arte e um pequeno bar. Além de um espaço cultural super charmoso chamado
Talante, do nosso artista Antônio Grassi. E logo me convidou para abrir com ele uma
livraria em Belo Horizonte, em um prédio de um conhecido cinema que estava fechando.
Fiquei encantado pela ideia e cheguei a viajar nesse sonho, que é de vários de nós, de
ter uma livraria. Liguei para um guru e ele me disse que, se eu quisesse perder dinheiro,
era uma maneira segura de investir. Lembrei–me do genial Mia Couto, “
Nenhuma
palavra alcança o mundo, eu sei. Ainda assim, escrevo”.
A partir daí, fui sentindo–me próximo do meu livreiro preferido, sem ter tanta intimidade,
e, sempre que ia a Lisboa, cuidava de procurá–lo. Uma prosa que encantava e era
emoldurada pelo sorriso poderoso. Aos poucos, fui sabendo da sua vida de agitador
cultural, da sua sólida formação humanista, da sua militância de esquerda, dos seus
milhares de amigos e, principalmente, do seu amor pelos livros.
Foi essa paixão que o fez abrir várias livrarias na pequena cidade de Óbidos, que veio
a ser batizada pelo Unesco, em 2015, como “Cidade Criativa da Literatura”. De todas
elas, a que mais me impactou foi a que fica dentro de uma antiga Igreja dessacralizada.
Dizem que ele fundou mais de 1000 livrarias ao longo da vida. O que justifica uma
existência. Ano passado, no Festival Literário em Óbidos, tive a alegria de participar de
uma mesa sobre poesia e literatura dentro dessa Igreja. E, depois, fui andando, parando
e lendo nas livrarias em mercadinhos, hotéis e bares. E o Zé Pinho parecia flutuar com
seu sorriso e uma sacolinha do festival pendurada no ombro. Feliz.
Criador irrequieto, fundou os festivais “Fólio – Festival Internacional” e “Latitudes –
Festival de Literatura e Viajantes” em Óbidos e elevou o concelho a uma Vila Literária.
Contava, com escondido orgulho, que havia reabilitado a histórica livraria Ferin, na Rua
Nova do Almada, em Lisboa. Foi editor de mais de 20 livros e, nos últimos anos, sua
conversa versava sobre a criação de um Centro Cultural e Social do Bairro Alto, um
projeto multidisciplinar com estúdios de cinema, salas de concertos, artes performáticas,
galerias, gravação de audiolivros e
podcast e, claro, livrarias.
Ao vê–lo partir – e, felizmente, ele teve em vida todas as homenagens, inclusive as
honrarias do Governo Português –, sem saber o que nos espera do outro lado, socorro–
me do mestre Jorge Luis Borges: “
Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie
de livraria”. O Zé merece que assim seja e que ele possa continuar plantando livros para
todo o sempre.
Quem melhor definiu sua partida foi seu irmão de vida e de literatura Afonso Borges, o
genial criador do “Sempre um Papo”:
“
As letras e os livros não perdem apenas um gestor de festivais e proprietário de
livrarias. Perdem um criador, um artista, um visionário que viu na literatura a utopia
possível da civilização. O legado de José Pinho é este: livros em todos os lugares.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
a ser batizada pelo Unesco, em 2015, como “Cidade Criativa da Literatura”. De todas
elas, a que mais me impactou foi a que fica dentro de uma antiga Igreja dessacralizada.
Dizem que ele fundou mais de 1000 livrarias ao longo da vida. O que justifica uma
existência. Ano passado, no Festival Literário em Óbidos, tive a alegria de participar de
uma mesa sobre poesia e literatura dentro dessa Igreja. E, depois, fui andando, parando
e lendo nas livrarias em mercadinhos, hotéis e bares. E o Zé Pinho parecia flutuar com
seu sorriso e uma sacolinha do festival pendurada no ombro. Feliz.
Criador irrequieto, fundou os festivais “Fólio – Festival Internacional” e “Latitudes –
Festival de Literatura e Viajantes” em Óbidos e elevou o concelho a uma Vila Literária.
Contava, com escondido orgulho, que havia reabilitado a histórica livraria Ferin, na Rua
Nova do Almada, em Lisboa. Foi editor de mais de 20 livros e, nos últimos anos, sua
conversa versava sobre a criação de um Centro Cultural e Social do Bairro Alto, um
projeto multidisciplinar com estúdios de cinema, salas de concertos, artes performáticas,
galerias, gravação de audiolivros e
podcast e, claro, livrarias.
Ao vê–lo partir – e, felizmente, ele teve em vida todas as homenagens, inclusive as
honrarias do Governo Português –, sem saber o que nos espera do outro lado, socorro–
me do mestre Jorge Luis Borges: “
Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie
de livraria”. O Zé merece que assim seja e que ele possa continuar plantando livros para
todo o sempre.
Quem melhor definiu sua partida foi seu irmão de vida e de literatura Afonso Borges, o
genial criador do “Sempre um Papo”:
“
As letras e os livros não perdem apenas um gestor de festivais e proprietário de
livrarias. Perdem um criador, um artista, um visionário que viu na literatura a utopia
possível da civilização. O legado de José Pinho é este: livros em todos os lugares.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay