VELÓRIOS: DE PATOS A LONDRES
“Haja o que houver, os dias e as horas, sempre chegam ao seu fim.”
William Shakespeare
Sempre fui contra o instituto da reeleição. Tenho para mim que um mandato único de 5
anos serve melhor aos interesses republicanos. Já escrevi algumas vezes sobre isso e
reitero que, quando o Lula, no final do segundo governo, não aceitou que fosse
aprovada uma emenda constitucional para permitir um terceiro mandato – que seria fácil
para ele com 84% de aprovação -, eu percebi que estávamos na presença de um
estadista.
Agora, esse desespero do Presidente Bolsonaro em se reeleger só confirma a minha
hipótese. É claro que é uma situação sui generis, afinal, o atual Presidente e seus filhos
devem, em seguida às eleições, ser responsabilizados por uma série de crimes. E
correm o sério risco de uma condenação, e até mesmo de prisão. Daí a reeleição virou
uma tábua de salvação.
Ocorre que não é natural o que tem feito o atual Presidente da República. É vexame
atrás de vexame. O papel ridículo a que tem se sujeitado não só o desmoraliza ainda
mais, como submete o Brasil a uma situação bizarra. O que ele faz para acabar com a
imagem do país é algo que impressiona. Mesmo os que são contra a monarquia
naturalmente respeitam a figura da Rainha Mãe, com seus 70 anos de reinado e
inquestionável simpatia.
O erro de cálculo do Presidente e seus assessores, ao permitirem essa viagem a
Londres, surpreende pela infantilidade. Bolsonaro é reconhecidamente um cultor da
morte, um admirador da tortura, um homem chulo e sem nenhuma capacidade de se
emocionar com a dor do outro. Não se manifestou com compaixão quando perdemos
700 mil brasileiros para o vírus. Não visitou um único hospital. Teve o desplante de imitar
uma pessoa com falta de ar, na época da crise de oxigênio em Manaus. E respondeu
com desdém e arrogância quando questionado sobre o número de mortos: “não sou
coveiro!”.
O que esse tipo estranho foi fazer no funeral da Rainha com o mundo inteiro
acompanhando? Só podia mesmo ser um papelão!
A cena do discurso na sacada da Embaixada foi muito constrangedora. O país em luto,
consternado, e os bolsonaristas se esbaldando em agressões verbais aos ingleses. A
foto do Presidente sorrindo abertamente e cumprimentando espalhafatosamente o Rei
diz tudo. Que vergonha.
Lembro-me de um episódio no interior das minhas Minas Gerais. Nas cidades pequenas,
nos anos 50, ir ao velório – que era feito na sala das casas – era um programa nas noites
geladas. Certa vez, um notívago viu um movimento em uma residência e entrou no
velório à procura de companhia. Logo percebeu que entrou numa fria: no interior, essas
vigílias sempre tinham pinga, biscoito e doce; mas esse era um velório circunspecto.
Após uma hora, o intruso resolveu ousar: chamou as pessoas ao lado do caixão, todas
caladas e sombrias, e propôs: cada uma poderia dar uma pequena quantia em dinheiro
e ele iria ao bar mais próximo comprar uma bebida quente e algo de comer para
enfrentarem a madrugada. Imediatamente todos toparam. Enquanto o dinheiro era
recolhido, a viúva, que ouviu a proposta e chorava ao lado caixão, se sensibilizou e
disse que iria buscar uma quantia para contribuir. O cidadão não teve dúvida e
respondeu: “A senhora não precisa dar nada, a senhora já entrou com o defunto.”
A sensação que ficou nesse vexame internacional é que, se o Presidente falasse inglês,
ele teria dito algo parecido ao Rei. Por sorte nossa, ele mal fala o português.
Pensem nisso quando forem votar no dia 2 de outubro. Na eleição presidencial,
lembrem-se dos horrores a que esse Presidente nos submete. E no Rio de Janeiro,
vamos impedir a reeleição desse governador que já tem 5 secretários de Estado presos
e que criou o bolsa bandido para empregar centenas de fantasmas na Ceperj com um
custo de, pelo menos, 226,5 milhões de reais.
Sempre nos lembrando do mestre Mário Quintana, “O passado não reconhece o seu
lugar, está sempre presente…”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay